quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Ao almoço, no restaurante "Gentleman", com Frei Henrique Rema*

Ele é integralmente um gentleman”
Esta citação de Rebeca West, escrita na parede à direita, logo à entrada do restaurante, define e caracteriza o ambiente acolhedor, a arte de bem receber, o bom gosto e a qualidade da comida. Este novo Gentleman, capitaneado por Manuel Pedro Gomes, de decoração sóbria e de muito bom gosto, corporiza o conceito abrangente de restauração: pratos regionais, refeições para dias especiais, almoços muito económicos de preço fixo, pizas, massas e menus infantis, de entre outros destaques. Com bom tempo, poder-se-á desfrutar do espaço convidativo da esplanada. Algumas informações úteis encontram-se no site www.o-gentleman.pt
Frei Henrique Pinto Rema escolheu atum grelhado com batata sauté. Foram pedidas duas doses, que fizeram jus à escolha, e que proporcionaram uma óptima refeição e uma agradável conversa.

Quem é Frei Henrique Rema
Na linha da simplicidade, que o caracteriza e cultiva, como franciscano que é, define-se apenas como um cronista. Contudo, do currículo deste nosso conterrâneo, nascido no lugar do Paço, em S. Romão, a 23 de Setembro de 1926, merece destaque, de entre outros aspectos relevantes, o facto de ser o maior especialista da obra escrita de Santo António de Lisboa, o maior perito da história da missionação da Guiné e ainda uma autoridade do passado das várias ordens que constituem a família franciscana portuguesa. Por isso se justifica muito merecidamente que integre a Academia Portuguesa de História, na categoria de sócio de número, um selectivo grupo limitado a 30 académicos portugueses a que acrescem 10 de nacionalidade brasileira. E convém realçar que esta distinção, que recusou várias vezes e quase foi obrigado a aceitar, não se ficou a dever ao facto de ser detentor de qualquer prestigiada cátedra ou ao brilhantismo em carreira universitária, mas exclusivamente à qualidade do seu trabalho de investigação, fruto de muita persistência, método e rigor, pois possui apenas os diploma de estudos em filosofia e teologia leccionados nos conventos por que passou. “Não tenho qualquer grau académico; sou um cronista ad hoc”, referiu com um sorriso.
O desejo de esclarecer factos do passado ficou patente poucos minutos após as primeiras palavras trocadas com Frei Henrique Rema junto à igreja de S. Romão, local do encontro aprazado para o ir buscar para o almoço. E assim fiquei a saber a razão de se chamar Rema. “Se conhecer alguém de apelido Rema é da minha família. O meu tetravô, natural do lugar de Carrapatelo, da freguesia da Santa Cruz do Douro, chamava-se Alexandre Pinto, sendo conhecido pela alcunha de “O Rema”, por ser barqueiro. Naquela altura, era comum uma alcunha passar a apelido para os respectivos descendentes. Por isso, os filhos deste tetravô tiveram como apelido “Pinto O Rema”, mas os seus netos já foram apelidados de Pinto Rema”.
Foi um dos dez filhos de Albina de Jesus e de José Pinto Rema. Continuam vivas duas irmãs, que residem na Régua, uma das quais passa bastante tempo em S. Romão. Os seus pais, donos de umas pequenas propriedades, foram caseiros do Padre Amadeu Cardoso, que paroquiou Ovadas durante vários anos. O contacto com os campos começou ainda em bebé, onde permanecia ou dormia num cesto enquanto a mãe cavava ou regava. A partir dos quatro/cinco anos começou a ajudar os pais em pequenas tarefas, como descascar feijão, apanhar castanhas e guardar o gado (uma burra e uma cabra).
A iniciação à leitura e escrita foi feita por um primo, cujas aulas de ensino doméstico era frequentadas por cerca de 15 crianças. Já com 10 anos, em 1936, matriculou-se na então escola primária de Anreade, onde frequentou a 3.ª e 4.ª classes, tendo sido seu professor José Maria Almeida. Recorda com alguma saudade as brincadeiras durante os intervalos e as pequenas aventuras das longas viagens diárias para as aulas. Da “pedagogia da reguada”, que persistia na altura, não guarda qualquer espécie de rancor. Broa com azeitonas era o almoço habitual que diariamente trazia de casa.

Percurso como sacerdote franciscano
Os seus pais eram cristãos zelosos, fazendo questão que em casa se rezasse diariamente o terço. Era profunda a ligação à igreja. Frei Henrique Rema ainda conserva na memória a importância do impacto que o então pároco de S. Romão, Padre Manuel, lhe provocava quando aparecia paramentado frente ao altar, desenvolvendo nele o desejo de um dia também vir a ser padre. Toda esta envolvência religiosa explica a vontade de seguir a vida eclesiástica. A opção pela ordem dos frades menores (O.F.M.) ficou a dever-se à vinda de padres franciscanos a S. Cipriano “para pregar uma missão”, que constituía também uma oportunidade para despertar nas famílias e crianças vocações para os respectivos seminários ou conventos. Assim, em 1938, com 12 anos, Henrique Rema rumou ao Colégio dos Franciscanos, em Montariol (Braga), o que implicou um encargo mensal de trinta escudos a que os pais, com grandes dificuldades, tiveram de fazer face. Esta decisão foi acolhida com agrado pela sua madrinha, governanta do Padre Amadeu Cardoso, que tinha escolhido o nome de Henrique a dar ao afilhado em homenagem ao seu director espiritual, um frade franciscano, que se chamava Frei Henrique.
Após terminados os estudos básicos em Braga, fez o noviciado no convento de Varatojo/Torres Vedras (1943-1944), ingressando depois no Convento de Montariol/Braga para efectuar o curso de filosofia (1944-1946) e no Seminário da Luz/Lisboa para fazer o curso de teologia (1946-1950). Tomou o hábito franciscano no Convento de Varatojo a 07.09.1943 e professou a Regra da Ordem dos Frades Menores (O.F.M.) a 08.09.1944 no mesmo convento. A ordenação de padre ocorreu a 23.07. 1950, no Seminário da Luz. A missa nova teve lugar na igreja de S. Romão a 6 de Agosto, celebrada em condições de grande fragilidade, com 38,3 graus de febre. Aliás, convém referir, a propósito, que Frei Henrique Rema teve no passado graves problemas de saúde e, só por isso, não foi estudar para Roma, como era desejo dos seus superiores.
Como sacerdote, foi capelão e professor em diversas instituições, a maioria das quais ligadas à família franciscana. Merece destaque, contudo, o cargo de Secretário da Prefeitura Apostólica da Guiné-Bissau, que exerceu entre 1965 e 1974 e o de Secretário da Província Portuguesa da Ordem Franciscana, que exerceu nos períodos entre 1981-1984 e 1992-1998. Actualmente é capelão num hospital, em Lisboa.
Continua muito ligado ao nosso concelho, onde costuma passar anualmente algumas semanas de férias. Costuma dizer que Portugal nasceu em Resende, sendo prova disso a presença nestas terras de D. Afonso Henriques e do seu aio, Egas Moniz. Não se cansa de andar a pé, como S. Francisco. Passeios de S. Romão ao Penedo de S. João, a S. Cipriano ou à igreja de Cárquere são uma rotina de fazer inveja a qualquer jovem. Continua a ser um conversador exímio, e sempre com um sorriso desarmante.

Actividade intelectual
Sempre gostou de escrever. Aos 17 anos publicou o primeiro artigo na revista do Colégio de Montariol “Alvorada Missionária”. A actividade da escrita em revistas foi sempre uma constante enquanto estudante e depois da ordenação sacerdotal, continuando até hoje. Merece um destaque especial a sua contribuição no “Boletim Cultural da Guiné Portuguesa”, onde publicou uma História das Missões Católicas da Guiné. Tem editados diversos livros, de entre os quais se realça o volume Obras Completas de Santo António de Lisboa, que traduziu do latim, anotou e precedeu de longa introdução. Publicou mais de 16.000 páginas, que deram origem a mais de 600 títulos. Conserva inéditas umas 8.000 páginas, incluindo o 4.º volume da Crónica do Centenário da Congregação das Franciscanas Hospitaleiras da Imaculada Conceição, a Crónica da Província dos Açores das Irmãs Franciscanas Hospitaleiras da Imaculada Conceição, os cinco volumes da Crónica da Província dos Santos Mártires de Marrocos, dez volumes de Diário, cinco cadernos de homilias e dezenas de conferências e notas.
Tem intervindo como orador em múltiplas iniciativas e congressos nacionais e internacionais, designadamente ligados à história da missionação e da Igreja. É membro de diversas academias de história e geografia ou instituições análogas, sobretudo de países da América Latina. O pedido para integrar júris de provas de mestrado e de doutoramento é uma manifestação do reconhecimento da valia da sua obra.

*Apontamento de minha autoria, publicado no Jornal de Resende, número de Setembro de 2012
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