tag:blogger.com,1999:blog-20905843293706399622024-03-13T17:21:14.954+00:00O CANASTROOnde se guardam letras de ResendeMarinho Borgeshttp://www.blogger.com/profile/08746023392154722492noreply@blogger.comBlogger152125tag:blogger.com,1999:blog-2090584329370639962.post-49550333706117037582016-01-31T13:08:00.001+00:002016-01-31T13:09:12.101+00:00O grande enigma (1) **Título da crónica de <b>Anselmo Borges</b>, publicada no <b>DN</b> de hoje, que pode le<span style="color: red;">r<span style="background-color: red;"> <b><u><a href="http://www.dn.pt/opiniao/opiniao-dn/anselmo-borges/interior/o-grande-enigma-1-5006588.html">aqui</a></u></b></span></span>.Marinho Borgeshttp://www.blogger.com/profile/08746023392154722492noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-2090584329370639962.post-57374943802237611912016-01-31T12:51:00.003+00:002016-01-31T12:51:51.061+00:00O grande enigma (1) **Título da crónica de <b>Anselmo Borges</b>, publicada hoje no <b>DN</b>. que pode ler <span style="color: red;"><u><b><a href="http://www.dn.pt/opiniao/opiniao-dn/anselmo-borges/interior/o-grande-enigma-1-5006588.html"><span id="goog_230348879"></span>aqui</a><span id="goog_230348880"></span></b></u></span>.Marinho Borgeshttp://www.blogger.com/profile/08746023392154722492noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-2090584329370639962.post-2286848178339968802015-07-22T17:28:00.001+01:002015-07-22T17:28:50.376+01:00Confissões do Padre Eugénio César d'Azevedo, natural de Paus (11)*<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">Eu fui o mestre dos Padres de
Paus, fui o que lhes ensinei cantochão, e também fui o seu mestre de cerimónias
e ainda de Moral…<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">Todos os anos, na véspera de
Natal, visito no Fornelo, onde vivo, uns cinco ou seis pobres, que aqui há, e a
cada um dou uma quarta de bacalhau, e na Feira Nova, em casa da Brasileira onde
vou comer depois da minha missa, espalho pelos pobres umas três ou quatro
moedas de cinco réis. Assim, numa parte com seis quartas de bacalhau e na
outra com três ou quatro moedas de cinco réis, sou chamado honrado e caritativo. Ah! Que demência
se apoderou de ti!! Tu não vês que eu sou um murmurador, um caluniador, de
vivos e mortos, um intriguista, um invejoso, cujas qualidades se não compadecem
com a caridade?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">Ah! Que só tendes habilidade para
despejar copos e nenhuma para conhecer os homens!!<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">Eu tenho tentos defeitos e tais
que, se as autoridades eclesiásticas tivessem deles conhecimento, já tinha sido
suspenso, deposto e degradado!! Tenho pecados tais que a Igreja nunca há-de rezar
por mim. Na minha terceira confissão, que hei-de fazer, vós vereis então quem
tem sido este impostor, que só para o mal tem talento!!<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">Ai de mim!...Tenho sido um cavalo
sem freio no precipício!!<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">Perdoai-me, meu Deus. A religião,
que com o vosso sangue plantastes no mundo, lucraria muito se eu nunca fosse
Padre…<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">Perdoai-me por esse sangue que
derramastes em jorros pela terra…<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">Perdoai-me, eu vos peço, pelo
amor de Deus, ó meus irmãos, por mim tão
ofendidos…<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">Ó serrano, confesso que te roubei
e, com juramento falso que dei contra ti,
expulsei-te das veigas risonhas, dos amenos prados de Portugal para essa
inóspita e insalubre região de África. Perdoa-me. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">Infelizes serranas, que por minha causa sofreis tão tormentoso exílio
na vossa idade vigorosa e florescente, perdoai-me, e adeus até ao dia do juízo.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">Nobres senhores da casa da
Soenga, que filhos de pais ilustres e recebendo deles a nobreza que tinham, a
pouco fostes arrastados pelos caminhos do opróbrio por mim, e por outros como
eu, perdoai-me também. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">Jovens, que iludidos por mim
desertastes do exército sagrado de Jesus, moças que transviei do caminho da
honra e da virtude, perdoai-me.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">Perdoai-me também mortos, ó
mortos; esquecido de que um finado tem tanto jus à sua boa fama como o vivo,
tenho faltado à caridade para convosco. As murmurações e calúnias, que tenho dirigido a vossos veneráveis ossos,
são as missas de réquiem que tenho celebrado pelo vosso eterno descanso.
Perdoai-me.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">Adeus, caros leitores até breve.
<i>Salus integra, tranquilla pax, multum
auri, et longa vita sint vobis. Amen<o:p></o:p></i></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">Paus, 25 de Novembro de 1889<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">O Abade de Barrô<o:p></o:p></span></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">Pe. Eugénio César d’Azevedo</span><o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="background-color: #fff3db; color: #29303b; font-family: Georgia, 'Times New Roman', sans-serif; font-size: 13px;">*</span><span style="background-color: #fff3db; color: #29303b; font-family: Georgia, 'Times New Roman', sans-serif; font-size: xx-small;">Transcrição do manuscrito "O abbade de Barrô e sua segunda confissão", datado de 25 de Novembro de 1889, procedendo-se apenas à actualização gráfica e a pequenas alterações, designadamente sinais de pontuação.</span></div>
Marinho Borgeshttp://www.blogger.com/profile/08746023392154722492noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-2090584329370639962.post-6936267479072300672015-07-20T12:42:00.001+01:002015-07-20T12:43:25.427+01:00Confissões do Padre Eugénio César d'Azevedo, natural de Paus (10)*<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">Não é também verdade que o Pe.
Diogo roubasse um Feliciano Monteiro, do Vale, vulgo o Feliciano. Eu, seu
vizinho, sei que o Pe. Diogo comprou ao Feliciano um prédio, que justou por cem
mil réis; que, tendo o vendedor recebido quase todo o preço da venda, se
recusou a fazer o título sem que o Pe. Diogo lhe desse 30:000 réis a mais; e
que finalmente concordaram que o Pe. Diogo lhe desse 15:000 réis. Fez-se o
documento, e o Pe. Diogo deu ao vendedor, além dos cem mil réis por que ajustaram, mais
15:000 réis, do que são testemunhas o Sr. Comendador Filipe José Rodrigues,
José Rodrigues, da Eira-Velha. Não admira que o Feliciano calunie o Pe. Diogo,
quem o conhece. Ouvi um trecho de sua vida. Um dia este Feliciano, ainda moço, sofreu das
mãos de seu pai um castigo, e o filho protestou vingar-se do pai, e assim fez.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">Tinha o pai uma horta a partir
com outra, pertencente ao Pe. António Pedro dos Santos, então Cura da
freguesia, e o filho numa noite cortou todos os arbustos na horta do Padre,
lembrando-se que este culpava no corte das árvores o seu pai, como culpou. Este
Feliciano, que estando casado, possuía bastantes terrenos e ganhava pelo ofício
de oleiro muito dinheiro, não fez caso de sua mãe e esta seria vítima da fome,
se lhe não valesse outro filho. Nunca deu uma fatia de pão a um filho, que teve
de uma mulher solteira, e vendeu seus terrenos para os não herdar uma filha,
que tem legítima e muito pobre e com muitos filhos. Logo não é assombroso que
um homenzinho assim levante uma calúnia a um inocente, mas é admirável que eu,
que conheço este demónio, e sei que o Pe. Diogo o não roubou, o certifique ao
público.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">Pouco me resta para dizer por
esta vez. Antes, porém, que termine,
digo e direi sempre que o Padre Diogo, que como homem há-de ter defeitos, como sacerdote
imperfeições e como professor faltas, não é nem foi ladrão nem matador; logo,
comparando-o nós no princípio dos nossos terceiros panfletos, cuja matéria é a
mesma dos outros, com o tigre, o leão, o leopardo e a pantera, mostrámos que
não temos ideia da história natural. Eu nunca a estudei, verdade e verdade.
Cumpre-me também confessar que a loja, que me elegeu seu chefe nos papelitos a
que me referi, diz que eu fui o mestre de todos os Padres de Paus, e que me não
falta o invejável predicado de caritativo. Acharíeis estas expressões num
estilo inchado? São estas verdades puras. </span><o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="background-color: #fff3db; color: #29303b; font-family: Georgia, 'Times New Roman', sans-serif; font-size: 13px;">*</span><span style="background-color: #fff3db; color: #29303b; font-family: Georgia, 'Times New Roman', sans-serif; font-size: xx-small;">Transcrição do manuscrito "O abbade de Barrô e sua segunda confissão", datado de 25 de Novembro de 1889, procedendo-se apenas à actualização gráfica e a pequenas alterações, designadamente sinais de pontuação.</span></div>
Marinho Borgeshttp://www.blogger.com/profile/08746023392154722492noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-2090584329370639962.post-69694391786164554982015-07-15T14:47:00.000+01:002015-07-15T14:47:22.656+01:00Confissões do Padre Eugénio César d'Azevedo, natural de Paus (9)*<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">Cá torna o Francisco Cardoso d’Azevedo,
de Vilar de Barrô, o tabelião de notas. O Pe. Diogo não roubou a este vulto
80:000 réis, como ele diz, e nós o transmitimos ao público. Ele não lhe roubou
nem uma pena, porque roubar uma pena a um escrivão é um pecado grave.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">Para José Rodrigues Paulino
embarcar recorreu ao Pe. Diogo para lhe arranjar dinheiro, e este Padre
tirou-lhe 70:000 réis a juro em Ferreirós em casa de José Rodrigues Caçador, e
nunca ocupou o Sr. Francisco Cardoso d’Azevedo. Mas vem cá, Francisco, se tu
abonaste no Porto a José Rodrigues Paulino, porque não exigiste dele um título?
Quando tu principiaste a pedir ao Pe. Diogo esta dívida, ele escreveu para o
Brasil ao Paulino, perguntando-lhe se era verdade dever-te esta quantia, e ele
numa carta que enviou ao Pe. Diogo, e que este conserva, diz que nada te deve e
que tu és um ladrão. Como queres tu que o Pe. Diogo te pague, sem te dever tal dinheiro? Ó Francisco, nem sempre se pode fazer do direito torto e do
torto direito. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">É como o Sr. José Maria Pinto de
Meneses, da Feira Nova, da freguesia de S. Martinho de Mouros…Quem diria que
este meu amigo que, sem merecimentos, quer passar por um cidadão honrado,
também é um caluniador? Já lá vão bastantes anos que Lino José Rodrigues,
sobrinho do Pe. Diogo, pediu a este que lhe abonasse na loja daquele Sr.
Meneses um fato. O Pe. Diogo deu-lhe uma carta em que pedia ao Sr. José Maria
Pinto de Meneses que fiasse ao sobrinho uma roupa até 4:500 réis. Passado algum
tempo, o Pe. Diogo, vendo que o seu sobrinho por muito pobre não pagava,
dirigiu-se ao Sr. Meneses e deu-lhe 4:500 réis. O Sr. Meneses, abrindo lá o seu
cartapácio, disse ao Pe. Diogo: “ Você deve aqui 11:800 réis, e este é o abono que fez a seu sobrinho”. “Mostre a carta, que lhe dirigi”, disse o Pe.
Diogo. O Sr. Meneses não apresentou a carta, porque não lhe fazia conta. Depois
o dito Lino deu-lhe por vezes algum dinheiro, e hoje dever-lhe-á uns dois ou
três mil réis. Eis aqui em detalhe toda a história, e à vista dela o Sr. José
Maria Pinto de Meneses poderá queixar-se que o Pe. Diogo o roubou? Entendo que
o não deve fazer, sem se colocar na classe mais degradante dos homens. O Pe.
Diogo não roubou porque lhe pagou quanto tinha abonado; ele é que roubou o
Padre, porque o calunia.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">E menos o Pe. Diogo roubou o José
Monteiro de Cardoso, como sem vergonha publicamos no nosso último panfleto,
composto por uns elementos de retórica dados à luz pelo José Terra da Feira, de
Fazamões, e ilustrados pelo mesmo José Monteiro. Este homem, tantas vezes ensarilhado
pelo diabo, tantas vencido por ele e outras tantas vezes dele vencedor, é meu
compadre e amigo, e serve-se do meu dinheiro. Como é muito grato, quis pagar-me
os meus favores, arranjando também a sua calúnia, que me ajudou a encher as
colunas do meu panfleto. </span><o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="background-color: #fff3db; color: #29303b; font-family: Georgia, 'Times New Roman', sans-serif; font-size: 13px;">*</span><span style="background-color: #fff3db; color: #29303b; font-family: Georgia, 'Times New Roman', sans-serif; font-size: xx-small;">Transcrição do manuscrito "O abbade de Barrô e sua segunda confissão", datado de 25 de Novembro de 1889, procedendo-se apenas à actualização gráfica e a pequenas alterações, designadamente sinais de pontuação.</span></div>
Marinho Borgeshttp://www.blogger.com/profile/08746023392154722492noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-2090584329370639962.post-41830674205874591102015-07-10T11:29:00.000+01:002015-07-10T11:30:07.048+01:00Confissões do Padre Eugénio César d'Azevedo, natural de Paus (8)*<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;"><br /></span>
<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;"> Mas para o mal temos muita habilidade.
Dissemos que o Pe. Diogo tem em casa uma amásia, que trouxe de Feirão. É falso.
<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">Sua, nunca assaz chorada mãe, nunca
teve criada até à idade de 78 anos. Aqui perdeu as forças e sofria um pequeno
delírio. Por isso, seus filhos tomaram então uma servente para acompanhar a
pobre velha na amargura de seus dias derradeiros. Viveram unidas dez anos,
tempo em que o Pe. Diogo viveu fora de casa, entregue ao ministério paroquial.
Faleceu a mãe, e a sua criada caiu numa dupla enfermidade: dispepsia no
estômago e padecimento do peito. Como não tem bens nem pode trabalhar nem mendigar pelas
portas o sustento, era vítima da negra fome se fosse expulsa. Não tem , portanto,
uma amásia em casa, tem, sim, uma desgraçada a quem sustenta por esmola.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">O Pe. Diogo não expôs filho algum,
como lhe imputámos. Acusámo-lo de um crime que ele não cometeu e que talvez
fosse indirectamente cometido por mim. Ouvi dizer que, aí pelo Arco, aparecera
à porta de uma casa habitada um infante abandonado, mas não sei quem expôs o
recém-nascido, nem o tal Casimiro argui o Pe. Diogo deste tão bárbaro
procedimento. Se eu nos meus panfletos, de tantas cores, quantas os pintores
sabem dar aos objectos que querem adornar, disse que o Pe. Diogo fora o que o
mandara colocar, isto foi num acesso de raiva canina, que muitas vezes me
combate. Esse menino era filho, não podia deixar de ser, de uma das mães a quem
eu arranquei do coração a crença religiosa. Não foi uma, foram muitas as
mulheres, que para chegar a meus depravados fins, e conseguir os meus danados
instintos, materializei, ensinando-lhes os inconsequentes dogmas dos Maniqueus
e Valdenses e negando-lhes a verdade da nossa santa religião. E estas pobres
mulheres, educadas por mim nos princípios erróneos da teologia pagã perverteram
outras.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">Por direito eclesiástico são
excluídas do sacerdócio as mulheres; e porque obrou assim a Igreja? É porque as
mulheres, se fossem sacerdotisas, não tinham paciência nem força para calarem o
que soubessem pela confissão. Por isso, foram excluídas.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">As minhas amásias, ensinadas por
mim, não se calaram, ensinaram a outras as minhas péssimas doutrinas: daqui o
haverem tantas mães sem fé, e daqui tantos abandonos de crianças.</span><o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="background-color: #fff3db; color: #29303b; font-family: Georgia, 'Times New Roman', sans-serif; font-size: 13px;">*</span><span style="background-color: #fff3db; color: #29303b; font-family: Georgia, 'Times New Roman', sans-serif; font-size: xx-small;">Transcrição do manuscrito "O abbade de Barrô e sua segunda confissão", datado de 25 de Novembro de 1889, procedendo-se apenas à actualização gráfica e a pequenas alterações, designadamente sinais de pontuação.</span></div>
Marinho Borgeshttp://www.blogger.com/profile/08746023392154722492noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-2090584329370639962.post-18394336337325664722015-07-09T12:25:00.000+01:002015-07-09T12:25:32.688+01:00Confissões do Padre Eugénio César d'Azevedo, natural de Paus (7)*<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">Dissemos também “que Pe. Diogo,
suspenso de pregar e confessar, se asilara em casa de um Pe. Nicolau da Silva
Dias, morador na Rua dos Rumulares, em Lisboa; que, enquanto este fez uma
digressão, Pe. Diogo, arrombando-lhe a porta do quarto e uma cómoda, lhe roubara 1:500:000 réis, convencendo-o de
que foram os larápios”.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">Isto é uma fábula, e das suas
entranhas saem as provas. Pe. Nicolau não podia acreditar que o conto e
quinhentos mil réis fossem roubados pelos larápios, porque, se o roubo fosse
praticado de dia, enquanto o Pe. Diogo foi passear, os ladrões tinham de arrombar
a porta da rua. Qualquer casa em Lisboa tem, pelo menos, quatro andares, e cada
um é habitado por seu inquilino. Na ala oposta da rua há lojas de comércio e
artistas; o povo sempre em fluxo e refluxo, e além disto vigia sempre a
polícia. Poderiam os larápios arrombar uma porta sem ser apercebidos? Se o
roubo fosse feito de noite, Pe. Diogo, que estava dentro, e os criados ou
criadas do Pe. Nicolau não haviam de gritar por socorro, e este não lhes era logo
ministrado? Logo, se o Pe. Diogo dissesse a Pe. Nicolau que o dinheiro foi
roubado pelos larápios, ele não o aceitava.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">Os gazeteiros, para encherem as colunas dos seus jornais,
aproveitam os factos mais insignificantes, nem um furto de seis vinténs lhes
escapa. Seria possível que não dessem notícia de um roubo de 1:500:000 réis,
feito por um padre a outro padre, seu benfeitor? Pe. Diogo veio da Extremadura
há vinte e um anos, e ninguém até hoje o arguiu de tal roubo. Só agora o
arguimos eu e o professor. Notem os leitores: nos outros panfletos pintámos o
roubo feito por um modo e, nestes últimos, por outro. Primeiro se pilha um
mentiroso do que um coxo.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">Mais calúnias. Dissemos “que o Pe.
Diogo tentara matar o Pe. Geminiano José Gomes, então pároco de Paus, para se
colar na igreja; que, para tal fim, embriagara certos indivíduos, e que de certo
era vítima, se não lhe valessem o Pe. Eugénio César Azevedo, Pe. Joaquim
António Dias de Oliveira e José Pinto, das Quintãs, e a sua prudência,
fechando-se três dias em casa”. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">A falsidade desta asserção
manifesta-se de todos os lados.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">Pode-se crer que o Pe. Diogo
mandasse matar o seu pároco por uns homens bêbados, num Domingo, na igreja ou
no adro, em presença de tanta gente, ali reunida nesse dia para assistir à festividade
de S. Sebastião? Se o Padre Diogo quisesse matar, ou mandar matar, o pároco,
aproveitaria as trevas da noite para embeber o cruel punhal no sangue do seu
colega, e assim não se sabia qual a mão assassina.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">O Bispo diocesano colaria nesta
igreja um padre que tivesse morto o seu pároco, e o povo não se oporia a uma
tal apresentação? Se por ventura a morte fosse mandada fazer, como dissemos,
por homens bêbados, nós, os três, que afirmamos, lhe valemos, que seríamos
contra homens robustos, armados e dispostos para a sangrenta empresa?
Desapareceríamos diante deles, como o pó diante da face do vento.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">E o ódio do Pe. Diogo contra o
seu pároco, ódio que pintamos com as tintas mais carregadas, podia extinguir-se
nos três dias em que o pároco se fechou na sua residência?</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">Na verdade, um homem, dotado de um talento medíocre, conhece à
primeira vista que ninguém, dotado de razão, planeava assim um assassinato. E
nós, pobres de filosofia, nem nos recordamos que nossos papelitos haviam de
subir às mãos de leitores hábeis, de homens de lógica, que nos haviam de
censurar nossos erros, asneiras, brutalidades, burricadas, cavaladas e
absurdos!!!...</span><o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="background-color: #fff3db; color: #29303b; font-family: Georgia, 'Times New Roman', sans-serif; font-size: 13px;">*</span><span style="background-color: #fff3db; color: #29303b; font-family: Georgia, 'Times New Roman', sans-serif; font-size: xx-small;">Transcrição do manuscrito "O abbade de Barrô e sua segunda confissão", datado de 25 de Novembro de 1889, procedendo-se apenas à actualização gráfica e a pequenas alterações, designadamente sinais de pontuação.</span></div>
Marinho Borgeshttp://www.blogger.com/profile/08746023392154722492noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-2090584329370639962.post-59572883286058649612015-07-06T14:22:00.000+01:002015-07-06T14:22:42.486+01:00Confissões do Padre Eugénio César d'Azevedo, natural de Paus (6)*<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">Cúmulo da malvadez.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">Atestámos “que Pe. Diogo, dizendo missa há pouco, espancara
Maria Piôrra e que ela daí a pouco era cadáver”.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">Se Pe. Diogo, ou outrem,
praticasse um acto tão desumano e das pancadas resultasse a morte da espancada,
o Ministério, ainda que não houvesse testemunhas oculares, procedia <i>ex officio</i> a um exame a um exame e corpo
de delito. Mas no arquivo do registo criminal não apareceu esse documento.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">Se nós soubemos desse crime,
porque não acusamos seu autor, sendo nós tão inimigos seus? Porque nos não
oferecemos para testemunhas? Para que deixámos impune um réu do maior dos
crimes? <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">Além disto Pe. Diogo diz missa há
36 anos, e a dita Piôrra faleceu há pouco e de morte natural.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">Demais a mais, de 1853, ano em
que Pe. Diogo recebeu a sagrada ordem de presbítero, ninguém acusou este Eclesiástico de um tal
crime e só agora é arguido, e só por nós, porque eu sou o abade de Barrô, e o
outro o professor de S. Martinho de Mouros…<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">Queixámo-nos “que Pe. Diogo
convidara Manuel da Silva Paiva para me assassinar e que, não se prestando este
a praticar o acto, encarregara esta empresa a Assenso do Fornelo para se colar
na então minha igreja”.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">Ó professor com quem nos
compararemos? Os sacerdotes da Judeia, que semelhantes ao demónio, que sem
proveito faz mal, devorados da inveja desse cruel abutre que lhes roía as medulas para darem a
morte a Jesus, o mataram primeiro com a espada da língua, seriam piores que eu
e tu? Meus caros leitores, escutai agora a verdade:<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">Nos meus princípios vivia eu,
como pároco de Paus, na casa da residência paroquial, nas Lages. Esta pobre
casa era a toda a hora assaltada por essas belezas, que eu amava. Comiam-me
tudo. Não me escapava o pão da giga nem broas do forno, levavam-me as batatas
lá do canto da sala, a carninha da salgadeira, nem me deixavam os lençóis, e
nem os meiotes. Vi-me pobre, e mal vestido de cotim, não via dez réis. Assentei
então fugir desta casa, como fugi, e fui abrigar-me no Fornelo, na minha casa
paterna.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">Como meus fregueses se queixavam
de mim por eu não residir ao pé da igreja, para me desculpar, principiei a
dizer que me tinham feito esperas para me matarem e que, por esse motivo, me
retirara. Nessa ocasião não culpei ninguém. Agora quis matar moralmente o Pe.
Diogo, inventando para esse fim a matéria que pude: sim, disse que ele me
mandara matar, quando o Pe. Diogo não era, nem é capaz de matar um cão, esse
maior amigo do homem, o símbolo da gratidão, da felicidade e do amor.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">Inventei também que
este padre atentara contra a vida de Filipe José Rodrigues. Pe Diogo José
Rodrigues, se lhe dessem o ceptro de todo o globo terráqueo, que habitamos e
com ele todas as riquezas, não arrancava a vida nem a um seu inimigo, e muito
menos ao Sr. Filipe, porque é seu irmão e amigo e cuja vida preza tanto como a
sua.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">Dissemos que o Pe. Diogo
intrigara o pároco da freguesia para onde foi nos subúrbios de Lisboa. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">A freguesia em que o Pe. Diogo
esteve é Nossa Senhora dos Prazeres d’Aldeia Galega da Merceana, concelho de Alenquer,
à distância de Lisboa de dez léguas, e o
Pároco, que tem o título de Prior, é dos arrabaldes de Braga. Para fazerdes uma
ideia deste Padre apresentar-vos-ei uma página da sua vida. Ei-la: tinha ele um
jumento, que era de uma cor muito pretinha, corpulento, vivo e fino. O Padre
tratava muito mal o pobre bruto, e este não sabia como havia de fazer a vontade
ao Padre, por que este não o sabia dirigir. Numa bela manhã apareceu morto na
estrebaria o animalejo, muito inchado, com a boca aberta e dentes arreganhados.
O Padre pega de uma cachamorra e descarrega pancadas sem número sobre o ventre
do orelhudo, que foi infeliz na vida e na morte. Como o burro estava muito
inchado, as bastonadas produziram um eco como as dos tambores. As mulheres,
pensando que o Prior tinha em casa algum descante, correram para lá apressadas.
Chegando e vendo o pároco a descarregar cachamorradas no jumento cadáver,
perguntaram-lhe a razão, por que assim tratava o triste animal, e ele respondeu
“pois este diabo nunca me fez a vontade em vida e ainda agora morre a rir-se e
a fazer escárnio de mim”. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">Tal é a lógica do Padre e quem
assim pensa não admira que tenha uma indisposição com um padre qualquer, e que
alguém a tenha com ele.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">É certo que este Padre e o Pe.
Aniceto Rodrigues d’Oliveira não eram amigos do P.e Diogo, e o Pároco d’Aldeia-Galega
escreveu-me uma carta perguntando-me qual fora a conduta do Pe. Diogo nesta
terra. Se lá tivessem matéria para o suspenderem não lhes era necessário vir
aqui buscá-la.</span><o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="background-color: #fff3db; color: #29303b; font-family: Georgia, 'Times New Roman', sans-serif; font-size: 13px;">*</span><span style="background-color: #fff3db; color: #29303b; font-family: Georgia, 'Times New Roman', sans-serif; font-size: xx-small;">Transcrição do manuscrito "O abbade de Barrô e sua segunda confissão", datado de 25 de Novembro de 1889, procedendo-se apenas à actualização gráfica e a pequenas alterações, designadamente sinais de pontuação.</span></div>
Marinho Borgeshttp://www.blogger.com/profile/08746023392154722492noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-2090584329370639962.post-18498928835188449342015-07-02T17:32:00.001+01:002015-07-02T17:33:14.437+01:00Confissões do Padre Eugénio César d'Azevedo, natural de Paus (5)*<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">Por mil insídias, por mil
intrigas, por manejos mil, um há seis anos e outro há mais de trinta,
pretendemos enterrar no túmulo do opróbrio o filho, não escapando a mãe, que
nunca nos ofendeu, ao nosso furor tigrino.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">Dissemos em nossos panfletos que
o Pe. Diogo descendera dos mais afamados larápios de Paus e que sua mãe, além
de ser amestrada na ladroíce, foi de tal forma prostituta que, sendo eles
quatro irmãos, nenhum pode com verdade dizer qual foi seu pai.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">Empurrar, depois de morta, uma
mulher que nunca foi acusada de furto, porque nada roubou e provou a
paternidade de seus filhos, tanto que herdaram de seus pais. Lacerar a honra e a reputação daqueles, <i>qui ex hoc saeculo transierunt</i>, e por
isso já não podem defender-se, isto é só próprio de quem não tem educação nem
caridade, nem piedade, nem crença religiosa. Isto é só próprio de mações!! E os
mações que mais diriam ou fariam? Se Josefa Maria, mãe do Pe. Diogo e Pe. José,
pudesse alevantar-se da vala cerrada da
sua sepultura, gritaria contra o insulto póstumo que nós dirigimos a seus
ossos. E os filhos, se nós, os covardes,
nos assinássemos, vingariam, assaz em demasia, pelas leis, tantas calúnias
estudadas contra uma finada, que foi dotada de magnânimas virtudes. Se Josefa
Maria, solteira, teve um lapso contra o sexto preceito do decálogo, que fez
ela, que eu em maior escala não praticasse? Eu, que desde os 12 anos prostituí
tantas donzelas, adulterei com mulheres casadas e abusei de muitas viúvas,
sendo um Padre, um Pároco e um pregador? E ainda hoje, sendo um “candelho”,
ando amancebado!!<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">E tu, ó professor, meu dilecto
discípulo, hipócrita, vês o argueiro no olho do teu próximo e não vês uma trave
no teu? Tu, que sendo casado com uma mulher católica, casaste com outra civilmente
para lhe apanhares os 4 contos de réis?!<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">Afirmamos que Pe. Diogo roubara
uma navalha ao honrado Abade de Felgueiras. Mentimos. Este abade, quando cursou
em Lamego as aulas, perdeu uma navalha, que custaria 200 réis. Passado algum
tempo, Pe. Diogo achou-a e entregou-lha em sua casa, em Felgueiras, em 1852,
pouco depois das exéquias de António Joaquim Cardoso, de Cardoso, freguesia de São
Martinho de Mouros. Não lha roubou, achou-lha e restituiu-lha. Se o abade disse
ao meu discípulo que Pe. Diogo lhe roubou a navalha, aprecia pouco a honra de
um seu colega, parente e a sua própria. Continuam as calúnias.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">Asseverámos que o Pe. Diogo
escrevera umas cartas “aleivosíssimas ao Pe. Gil, a Bento José da Silva e a outros”.
Pe. Diogo e Pe. Gil foram desde crianças amigos e ainda hoje o são, e nesta
amizade mútua não tem havido eclipse. Enquanto a Bento José da Silva, este
recebeu uma carta sarcástica que foi escrita por um estudante ditada por outro
e remetida ao dito Bento. Passado algum tempo, o escritor revelou o segredo e,
como a carta indirectamente me feria mais a mim do que a Bento por eu andar
nesse tempo amancebado com uma filha dele, fui dizer ao mesmo Bento quem tinha
ditado e quem tinha escrito a carta e, sem o saber, ajuntei que o Pe. Diogo fora o
principal autor da carta. Eu costumei sempre dar juramentos falsos. O Bento não
chamou o escritor a uma polícia correccional por ele lhe ter revelado quem
tinha forjado a carta. Também não puniu o ditador, porque a sua família deu
dinheiro ao Bento, e só quis castigar o Pe. Diogo, porque eu lhe pedi e me oferecei
como testemunha e, por isso o Bento chamou-o a uma polícia, mas não se provou
que o Pe. Diogo fora cúmplice. Conheço os dois estudantes que hoje são padres e
sei que o Pe. Diogo não concorreu para essa carta. Porque disse que o Pe. Diogo
mandara cartas aleivosíssimas ao Bento? Porque sou mau e invejoso.</span><o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="background-color: #fff3db; color: #29303b; font-family: Georgia, 'Times New Roman', sans-serif; font-size: 13px;">*</span><span style="background-color: #fff3db; color: #29303b; font-family: Georgia, 'Times New Roman', sans-serif; font-size: xx-small;">Transcrição do manuscrito "O abbade de Barrô e sua segunda confissão", datado de 25 de Novembro de 1889, procedendo-se apenas à actualização gráfica e a pequenas alterações, designadamente sinais de pontuação.</span></div>
Marinho Borgeshttp://www.blogger.com/profile/08746023392154722492noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-2090584329370639962.post-57729860445876914662015-07-01T11:42:00.000+01:002015-07-01T11:42:38.026+01:00Confissões do Padre Eugénio César d'Azevedo, natural de Paus (4)*<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">Diz-nos a dialéctica que todo o
ente tem um fim da sua criação, mas o meu fim é procurar a ruína moral da
sociedade. Tendo ensinado muitos discípulos, o mais hábil, o mais talentoso foi
José Pinto da Fonseca, professor em S. Martinho de Mouros. Este meu aluno
aprendeu tanto que até fez um casamento civil.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">Diz ele nos nossos segundos
papeluchos que, se promoveu tal casamento, é porque o Buena-Flor lhe prometera
receber, depois, a mulher catolicamente.
Ó professor, não mintas. Nessa empresa só te lembrava o dinheiro do Buena-Flor,
e o que menos te lembrava era a sua alma e Deus. Saiu melhor o discípulo que o
mestre. Tu arranjas daquelas que te dão aos quatro contos, e eu só daquelas
que, sem me varrerem o pó das salas, me alimpam tudo. Sim, quando era novo como tu
agora e tinha como Salomão as minhas mil concubinas, não tinha nem dez réis. O
que me valeu foi casar com a minha Josefa: agora sim, já tenho junto alguns
cobres.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">Serranas, choro a vossa sorte,
lamento a vossa desgraça e aconselho-vos a penitência para que vossas almas não
desçam ao Averno. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">Já é tempo, meus caros irmãos, de
me confessar da injusta guerra que declarei a Pe.Diogo José Rodrigues e a sua
mãe, hoje defunta.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">Para isto precisava de um estilo
grandíloquo, mas pobre de mim, que sendo português, não sei falar bem este belo
e rico idioma. Todavia vamos lá, e seja-me permitido principiar de mais longe
para que a narração se torne clara aos da cidade de Lamego e a outros mais
remotos. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">José Pinto da Fonseca, professor
na freguesia de S. Martinho de Mouros, sonhou uma vez que havia de haver a
fortuna de um Buena-Flor, seu vizinho, cuja fortuna era de uns 8 contos de
réis. Para conseguir os fins empregou os meios: cuidou de criar relações com
Buena-Flor, e mais íntimas com a criada dele. Buena-Flor adoece, e lembra-se ou
lho lembrou o professor de receber a amásia civilmente. Ao menos foi o
professor quem consultou o Doutor Barata sobre o modo como se podia efectuar o
casamento. Foi ele quem arranjou os papéis
respectivos e foi ele que, em nome de Buena-Flor, recebeu a sua amásia
em Resende na presença do Administrador, que então era José Bernardino, de Viseu.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">Mais tarde, Buena-Flor teve
ciúmes da mulher com o dito professor e, na verdade, houve essa cópula quando ela
era solteira e depois de casada. Por consequência, Buena-Flor legou todo o seu
pecúlio à Santa Casa da Misericórdia do Porto. Mas como o casamento civil
produz, como o católico, efeitos civis, a mulher tinha direito a metade do
dinheiro. Morre o pobre homem, e o professor liquidou a metade do espólio em
favor da viúva. E como ela não sabia administrar o dinheiro, deu-o ao
professor. Sonhou com os 8 contos, vieram-lhe 4…<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">Tendo-se dado este casamento
civil, horripilante para todo o cristão, Pe. Diogo José Rodrigues,
desta freguesia de Paus, na tribuna sagrada da Igreja de S. Martinho de Mouros,
disse que o casamento civil era concubinato e uma invasão dos direitos do
pároco. O professor que tinha feito ou aconselhado este casamento e eu, que o tinha aprovado, não levamos a bem que Pe. Diogo o combatesse.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">Este o motivo por que por três
vezes espalhámos por esta comarca, e suas confinantes, uns impressos em que
como cutelo da calúnia verberámos o Pe. Diogo e sua boa mãe.</span><o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="background-color: #fff3db; color: #29303b; font-family: Georgia, 'Times New Roman', sans-serif; font-size: 13px;">*</span><span style="background-color: #fff3db; color: #29303b; font-family: Georgia, 'Times New Roman', sans-serif; font-size: xx-small;">Transcrição do manuscrito "O abbade de Barrô e sua segunda confissão", datado de 25 de Novembro de 1889, procedendo-se apenas à actualização gráfica e a pequenas alterações, designadamente sinais de pontuação.</span></div>
Marinho Borgeshttp://www.blogger.com/profile/08746023392154722492noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-2090584329370639962.post-41483207843392864162015-06-29T00:37:00.000+01:002015-06-29T00:39:22.856+01:00Confissões do Padre Eugénio César d'Azevedo, natural de Paus (3)*<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">Mandei dar umas pedradas por um
meu afilhado no Assenso do Fornelo. Este homem escapou, porque lhe valeram as
pernas.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">Confesso também que roubei José
Ribeiro de Amorim, do Vale. Tinha este um prédio rústico, chamado Cabreira com
sua casa no meio, onde recolhia lenha. Sabia eu onde ele escondia a chave, e
para fazer os meus magustos com uns pândegos como eu, roubava-lhe a lenha. Isto
é ser ladrão.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">O que, porém, me magoa mais nesta hora é uma negra
ingratidão que pratiquei para com o pobre serrano do Vale. Este homem possuía,
no dito Vale, um prédio rústico fertilíssimo e de bom gosto. Ambicionei este
terreno, e por isso falei-lhe para mo vender, e para o mover a vender-mo,
prometi-lhe nunca lho tirar e de o conservar como caseiro enquanto ele vivesse.
O pobre achava-se endividado. Caiu em
logro por dois motivos: alentava a
lisonjeira esperança de fabricar o prédio de meias enquanto fosse vivo; e
fiava-se em mim, porque não me conhecia.
Por estas razões, vendeu-me o campo. O preço fi-lo eu; pilhei-lho por
metade do que valia, e este meio preço paguei-lho às fornadas de milho e às
meias moedas, que colhia de sermões. Mal pago o campo e havido o título,
expulsei-o do prédio. De pobre que já era, reduzi-o a um pobre mais pobre; e não só o expulsei do campo, mas até o
degradei com três filhas de Portugal com um juramento falso que dei contra eles
no tribunal de Resende. Coitado! Teve de mudar-se com as filhas para a África,
onde lhe cavei a sepultura!! Ó pobre serrano, quando te viste nas costas da
África debaixo desse sol abrasador, mormente quando te viste a braços com a cruel e desumana parca. E ali aberta a negra cova, que te havia de
recolher, dizias: ali está a medalha que o Abade de Barrô me deu pela honra das
minhas filhas, ali está o preço das minhas terras, que me comprou e não pagou. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">E vós, ó tristes serranos a quem
eu, como ministro do Senhor, devia dirigir pela carreira da virtude e a
quem, como cavalo sem freio, desencaminhei e perverti, perdoai-me o meu brutal
procedimento e os meus crimes para convosco, para que não sejam a minha morada
as catacumbas do inferno.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">Desventuradas mulheres, cá, à
distância de inúmeros quilómetros, vou falar convosco, em tempos minhas amigas.
Segundo as acertadas medidas da Divina Providência, é muito raro encontrar-se
um ente que tenha a propensão para todas as artes essenciais. Eu, infelizmente,
sou sábio na opinião dos que não sabem avaliar-me: passo por um filósofo, e não
sou mais que um ímpio; por um retórico, mas sem regra; teólogo no erro;
canonista na vaidade; moralista no desconcerto, na mentira, na intriga, na
murmuração e na calúnia; um mestre. E tal é a arte para que nasci.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">Para ostentar sabedoria a quem me
não conhecia, asseverava que lera isto
ou aquilo neste ou naquele livro sem o ter nem comprar nas livrarias. Ensinava
o que a minha razão desvairada me ditava, embriagando-me na mentira para que
tenho engenho e arte.</span><o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="background-color: #fff3db; color: #29303b; font-family: Georgia, 'Times New Roman', sans-serif; font-size: 13px;"> </span><o:p style="background-color: #fff3db; color: #29303b; font-family: Georgia, 'Times New Roman', sans-serif; font-size: 13px;"></o:p><span style="background-color: #fff3db; color: #29303b; font-family: Georgia, 'Times New Roman', sans-serif; font-size: 13px;">*</span><span style="background-color: #fff3db; color: #29303b; font-family: Georgia, 'Times New Roman', sans-serif; font-size: xx-small;">Transcrição do manuscrito "O abbade de Barrô e sua segunda confissão", datado de 25 de Novembro de 1889, procedendo-se apenas à actualização gráfica e a pequenas alterações, designadamente sinais de pontuação.</span></div>
Marinho Borgeshttp://www.blogger.com/profile/08746023392154722492noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-2090584329370639962.post-9194677046292741822015-06-28T01:04:00.001+01:002015-06-28T01:05:55.354+01:00Confissões do Padre Eugénio César d'Azevedo, natural de Paus (2)*<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: large;">Nesta freguesia, esquecido do <i>pasce agnos meos</i>, <i>pasce oves meas</i>, <i> </i>deixei, muitas vezes, a freguesia só, e morreram-me muitas almas sem sacramentos.
Logo não me pertenciam todos os emolumentos, que chuchei; logo sou ladrão.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: large;">Confesso que não fui talhado para
padre, e muito menos para pároco, mas sim para representar farsas no palco.
Estou lembrado, meus caros patrícios, que representei no Fornelo, numa casa
que foi de José Carlos, uma farsa inocente, aparecendo no tablado com a cabeça
enfeitada com os ramos ou galhos de um carneiro. Pior fiz em Paredinhas. Indo mascarado a este
povo a uma descamisa de milho, aqui cheguei, visivelmente, as minhas partes pudibundas à
cara da mulher de Luís Alves – o velho.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: large;">Indo, já era padre, visitar,
muitas vezes, o meu vizinho tenente do Fornelo, sua esposa e quatro filhas, no
meio desta gente civilizada, perguntava eu a um pequeno que levava comigo, lá
parente de minha mulher, que para mim é tudo: ó meu menino, onde é que tu és
mais bonito? O menino, previamente instruído por mim, respondia: mais bonito
sou aqui, pondo as mãos sobre as partes genitais. Depois de lhe armar uma
gargalhada cá do meio da garganta para cima, perguntava ao mesmo menino: qual é
o pai das gentes? E ele tornava a colocar a mãozinha no mesmo sítio. Ora isto é
que é ser bem educado!!!<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: large;">E que direis vós se eu confessar
que já concorri para a morte de um pároco? Sim, na patuleia, o meu pároco, o
infeliz Pe. Manuel Vitorino de Sousa Cardoso era afeiçoado à política
cabralista, e o morgado de Córdova, acompanhado duma guarnição, pugnava contra
o ministério. Entre o padre e o morgado não reinava amizade recíproca, e por
isso a vida do padre na patuleia achava-se arriscada. Fugiu de Paus, e o Sr.
Bispo D. José de Moura Coutinho, este sábio e benigno Prelado, mandou-o para
encomendado da freguesia de Samodães, onde, por motivos para mim incógnitos,
não pôde conservar-se, e por isso refugiou-se em Lamego. Com fim de agarrarem o
morgado vinham a Paus soldados do nove de Lamego. Como na freguesia lhe
disparassem alguns tiritos, a tropa queimou alguns edifícios e fez algumas
mortes. Daqui o morgado e outros tiraram matéria para acender e ódio do povo
contra o padre, dizendo que, se a tropa
vinha a Paus, era mandada pelo padre, e
que era ele quem mandava queimar estas e aquelas casas e fazer estas e aquelas
mortes. A plebe, em toda a parte bruta e fanática, engoliu esta impostura,
ficando convencida de que o padre era a causa dos incêndios, roubos e do
derramamento de sangue. Eu, que devia defender o meu colega, que devia tirar ao
povo esta cizânia, eu, que devia dizer-lhe que um regimento anda às ordens do
governo e não ao mandado de um padre, também dizia com o povo, que o padre era
a causa dos estragos.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: large;">Terminada a tempestade, bastante
tempo depois, regressando este sacerdote à sua freguesia, foi assassinado. Se
eu disse com o povo, que ele era o causador das ruínas, concorri indirectamente
para a sua morte.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<o:p></o:p><span style="background-color: #fff3db; color: #29303b; font-family: Georgia, 'Times New Roman', sans-serif; font-size: 13px;">*</span><span style="background-color: #fff3db; color: #29303b; font-family: Georgia, 'Times New Roman', sans-serif; font-size: xx-small;">Transcrição do manuscrito "O abbade de Barrô e sua segunda confissão", datado de 25 de Novembro de 1889, procedendo-se apenas à actualização gráfica e a pequenas alterações, designadamente sinais de pontuação.</span></div>
Marinho Borgeshttp://www.blogger.com/profile/08746023392154722492noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-2090584329370639962.post-7535636416158768962015-06-27T16:37:00.000+01:002015-06-27T17:13:46.603+01:00Confissões do Padre Eugénio César d'Azevedo, natural de Paus (1)*<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">P.e Eugénio César d’Azevedo, da
freguesia de Paus, concelho de Resende, abade mercenário de Barrô, e capelão do
Senhor do Calvário, tendo feito a minha primeira confissão em 15 de Maio do ano
corrente, em que me acusei de que fui um filho feroz para com meu pai, um
péssimo irmão, um ingrato para com os meus amigos e benfeitores, um Sansão na
prostituição, um juramenteiro falso, um escarnecedor da virtude, um apologista
do vício, um semeador de doutrinas heterodoxas, etc., o que tudo fui, passando
agora a fazer a segunda, que ainda não é completa, confesso primeiramente que
fui, sou e hei-de ser, até depois da minha morte, ladrão e um grande ladrão.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">Fui 22 anos pároco em Paus, terra
que me deu o berço, e aqui, de pastor de almas que devia ser, tornei-me em lobo
de redil. Deixei de fazer muitos e muitos assentos de baptismos, casamentos e
óbitos. Todo o homem carece de provar o seu baptismo, não só uma, mas muitas
vezes. Os jovens não podem casar sem provarem que foram baptizados, porque o
baptismo <i>est janua sacramentorum</i>. Um
filho para haver uma herança de seus pais, avós, ou de qualquer consanguíneo;
um irmão para se habilitar a herdeiro doutro irmão; este para conseguir um
emprego; aquele para embarcar; um para se ordenar; outro para se livrar de
jurado; enfim, todos têm necessidade de justificar seu baptismo.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">Ora, deixando eu de fazer muitos
assentos desta natureza, e importando cada justificação em 4.500 réis, quantas
libras não roubei eu às outrora minhas ovelhas? Se estas justificações têm sido
precisas, e se se fizeram no tempo pretérito, se o são agora e o hão-de ser no
futuro, não fui, não sou e não serei depois da minha morte ladrão?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">E, se da falta de assentos de
baptismo, resultam tantos inconvenientes e gravame de despesas, que danos se
não seguem da falta dos de casamento?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">Se um consorte aborrecido do
outro, quiser separar-se dele, alegando que não está catolicamente casado, como
poderá o consorte inocente provar o seu matrimónio, não havendo o respectivo
assento no livro de registo, tendo falecido o pároco que lhes assistiu e as
duas testemunhas? Os filhos de um tal matrimónio serão considerados como filhos
naturais, e os parentes ascendentes ou laterais de seus pais disputar-lhes-ão a
herança a que têm a tanto direito. E não serão somente estas as consequências,
dar-se-ão outras, tanto e mais lamentáveis…<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">Se parece que os assentos de
óbitos não são de suma importância, é uma ilusão. Os certificados de óbito são
para diversos fins indispensáveis.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times, Times New Roman, serif; font-size: large;">Ora, deixando eu de fazer muitos
assentos destas três espécies, não sou ladrão? Faria meus os proventos que
percebi? Não roubei, portanto, as minhas ovelhas de Paus?</span><o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
*<span style="font-size: x-small;">Transcrição do manuscrito "O abbade de Barrô e sua segunda confissão", datado de 25 de Novembro de 1889, procedendo-se apenas à actualização gráfica e a pequenas alterações, designadamente sinais de pontuação.</span></div>
Marinho Borgeshttp://www.blogger.com/profile/08746023392154722492noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-2090584329370639962.post-38987026853359391462015-01-20T12:23:00.002+00:002015-01-20T12:23:34.212+00:00O SAL E A RELIGIÃO*<div style="text-align: left;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><i>A propósito dos trágicos e bárbaros </i></span></div>
<div style="text-align: left;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><i>acontecimentos em Paris </i></span></div>
<div style="text-align: left;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><i>ficam aí algumas reflexões</i></span></div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div style="text-align: justify;">
1. Estamos confrontados com a questão do outro. Somos, por natureza,
sociais: fazemo-nos uns aos outros, a nossa identidade é sempre
atravessada pela alteridade. Mas o outro enquanto diferença é ao mesmo
tempo espaço de fascínio — quem não gosta de viajar para conhecer outros
povos, outras culturas? — e de perigo — o outro é o desconhecido
perante o qual é preciso prevenir-se.</div>
<div style="text-align: justify;">
Viveremos cada vez mais em sociedades multiculturais e multi-religiosas.
Aí está a riqueza da diferença, mas, simultaneamente, o sobressalto
dessa mesma diferença. Isto impõe o conhecimento mútuo, o diálogo
intercultural e inter-religioso. É cada vez mais claro, como há muito
repete o teólogo Hans Küng: não haverá paz entre as nações sem paz entre
as religiões; não haverá paz entre as religiões sem o seu conhecimento e
o diálogo entre elas; urge um consenso ético mínimo global.</div>
<div style="text-align: justify;">
<a href="https://www.blogger.com/null" name="more"></a></div>
<div style="text-align: justify;">
2. A liberdade de expressão é um direito fundamental e uma conquista
civilizacional a que se não pode renunciar. Também no domínio religioso:
estou, por exemplo, convencido de que, se a liberdade de pensamento e
de expressão na Igreja Católica não estivesse tão tolhida, ela, Igreja,
não teria tido os problemas e até infâmias por que tem passado.</div>
<div style="text-align: justify;">
Face à crítica da religião, até com cartoons satíricos, patetas e
boçais, não fico aflito. Já Kant escreveu que a religião, apesar da sua
majestade, não está imune à crítica. Distingo muito bem entre o Sagrado,
Deus em si mesmo, que nós nunca atingimos — os cartoonistas também não —
e as nossas formas humanas de nos relacionarmos com Ele. Ora, muitas
vezes, essas formas são ridículas, inumanas, supersticiosas, e os
críticos obrigam-nos a ver isso e a corrigir.</div>
<div style="text-align: justify;">
Evidentemente, quem critica deve ter o sentido das suas
responsabilidades quanto ao que faz e às suas consequências. Há críticas
patetas e boçais: elas ficam com os seus autores.</div>
<div style="text-align: justify;">
Por outro lado, quem se sente ofendido ou injuriado, ferido nos seus
direitos, tem o direito à defesa segundo a lei: protestando, organizando
manifestações, recorrendo aos tribunais. Não se pode é recorrer à
violência, ao terror que mata. Frente a um deus que legitimasse a
violência bruta, a degola, a violação, a decapitação, só haveria uma
atitude humanamente digna: ser ateu. Um deus assim seria pior do que
nós, quando estamos de bem com a razão e a humanidade.</div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div style="text-align: justify;">
3. É sabido que também há fundamentalismo entre os cristãos, como
lembrou o Papa Francisco, e também os cristãos cometeram barbaridades
sem conta. De qualquer modo, aprenderam, também a partir dos
ensinamentos de Jesus, que é necessário ler criticamente os textos
sagrados, separar a religião e a política, criar Estados laicos, que
garantam a liberdade religiosa de todos, incluindo a dos ateus, e
resolver os diferendos e castigar os crimes, seguindo leis votadas em
Parlamentos pluralistas e democráticos.</div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div style="text-align: justify;">
4. Não creio que haja guerras e violência exclusivamente religiosas.
Aí, a religião servirá sobretudo para legitimar interesses outros:
políticos, económicos, geoestratégicos. Penso, por exemplo, que há
velhos ressentimentos do mundo muçulmano contra o Ocidente. Lá estão a
colonização, as cruzadas, a questão da Palestina, a invasão do Iraque e o
bombardeamento da Líbia e o caos que se seguiu, a falta de integração
daqueles e daquelas que vivem nos arrabaldes das cidades europeias. Isso
não justifica de modo nenhum o terror em nome de Deus, e impõe-se, por
exemplo, combater, também pela força das armas, o autoproclamado Estado
Islâmico, no quadro, evidentemente, do Direito Internacional. Mas dá que
pensar e obriga a agir.</div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div style="text-align: justify;">
5. Como dá que pensar que milhares de jovens europeus sejam aliciados
pelo jihadismo para combater nas fileiras do Estado Islâmico. O que é
que os move? Não será também porque, face ao vazio de valores, no quadro
de um consumismo pedante e do tédio gerado pelo hedonismo fácil, não
encontrando sentido, procuram uma grande causa, embora louca? Perante o
nada de valores de uma Europa descrente de si, decapitada pelo
materialismo, buscam no califado a senda da heroicidade e da salvação?</div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div style="text-align: justify;">
6. Quando vou a Viseu, passo pelo monumento ao bispo D. António Alves
Martins, meditando na sua afirmação sob a estátua: "A religião deve ser
como o sal na comida; nem muito nem pouco; só o preciso." Por outras
palavras, quanto à religião, nem de menos nem de mais. Estou convencido
de que, sem religião, isto é, sem a religação ao Mistério último, a vida
humana é mais pobre, acanhada, sem horizonte de transcendência e
sentido último. Mas espreita sempre o perigo do fanatismo, que pode
espalhar a pequenez, a humilhação e até a morte e o horror. O fanatismo,
desembocando no terrorismo, é o pior inimigo da religião na sua
verdade.</div>
<div style="text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<div style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 13px; font-weight: bold; line-height: 18.4799995422363px; text-align: justify;">
<span style="line-height: 18.4799995422363px;">*</span><span style="background-color: #fff3db; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; line-height: 18.4799995422363px;"><b><span style="font-size: xx-small;">Transcrição do</span> </b></span><span style="background-color: #fff3db; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; line-height: 18.4799995422363px;"><b>DN</b></span><span style="background-color: #fff3db; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: xx-small; line-height: 18.4799995422363px;"> <b>da crónica de </b></span><b style="background-color: #fff3db; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; line-height: 18.4799995422363px;">Anselmo Borges</b><span style="background-color: #fff3db; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: xx-small; line-height: 18.4799995422363px;">, publicada neste jornal no sábado passado, dia 17 de Janeiro de 2015</span></div>
</div>
</div>
Marinho Borgeshttp://www.blogger.com/profile/08746023392154722492noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-2090584329370639962.post-70686126991855256532015-01-13T17:14:00.001+00:002015-01-13T17:14:08.568+00:00O TEMPO DA FALTA DE TEMPO*<div style="text-align: justify;">
</div>
<div style="text-align: justify;">
Como é que ganhamos cada vez mais tempo e todos se queixam de terem cada
vez menos tempo? Recentemente, a revista DerSpiegel dedicou um
interessante estudo precisamente a este paradoxo, e é nele que me
inspiro.</div>
<div style="text-align: justify;">
Claro que nos tempos que correm se poupa imenso tempo. Por exemplo,
desde o século XIX, foram tiradas, em média, duas horas ao tempo do
sono. Dada a velocidade crescente dos meios de transporte, deslocamo-nos
mais rapidamente. Poupa-se tempo na criação de animais. Poupa-se tempo
na aprendizagem. Também na comida, que já se compra feita, e nos
encontros, que se dão cada vez mais através das novas tecnologias, e,
mesmo aí, por abreviaturas na escrita (por exemplo, K (que), PF (por
favor). Espantosa a diminuição do tempo de trabalho: o que são as
actuais 35 ou 40 horas teoricamente dedicadas ao trabalho por semana
comparadas com as 57 a mourejar, há cem anos, e 82, em 1825? Até para a
morte já se pensa, para poupar tempo, em serviços de funeral a
acompanhar pela internet.</div>
<div style="text-align: justify;">
<a href="https://www.blogger.com/null" name="more"></a></div>
<div style="text-align: justify;">
No entanto, há sempre imensas coisas que ficam e que estão aí ainda para
fazer, e é preciso apressar-se cada vez mais. Mais rápido! Mais
depressa! E é levantar à pressa, ver e enviar e-mails ainda antes do
pequeno-almoço, acordar os filhos e prepará-los para a escola,
pequeno-almoço, mais e-mails, telefonemas enquanto se conduz, no
gabinete, imediatamente para a net, ler a imprensa, trabalho, almoço em
pé, estar permanentemente acessível pelo telemóvel e, de tarde, a mesma
coisa, regressar a casa, televisão e as notícias, deitar, esgotados... E
cada vez menos tempo para si e para a família. E as pessoas a
queixarem-se: segundo o Instituto Forsa, 59% dos alemães apresentaram,
entre os propósitos para 2013, "evitar e baixar o stress"; metade dos
entrevistados desejava "mais tempo" para os amigos e a família. De
facto, o stress parece ser "a situação constante".</div>
<div style="text-align: justify;">
O que é que se passou? Será que o progresso científico facilitou
realmente o dia-a-dia? O sociólogo Hartmut Rosa tem as suas dúvidas e,
para não citar o imenso tempo de espera nas filas de trânsito, dá o
exemplo da comunicação digital: claro que um e-mail é mais rápido do que
uma carta tradicional, mas "penso que entretanto você lê e escreve 40,
50 ou 70 e-mails por dia. Por isso, precisa de muito mais tempo para a
comunicação do que antes da internet". E é evidente que também se viaja
infinitamente mais e há muito mais ofertas e solicitações em tudo. De
qualquer modo, "temos uma ditadura da economia que se impôs em todos os
domínios da vida", escreve M. Liebmann, e, segundo K. Geissler, "o Homem
permite-se cada vez menos pausas. Assim, a privação de pausas é uma
forma de tortura." Outro motivo para a pressa e a aceleração
encontrar-se-ia, segundo Rosa, na secularização da sociedade ocidental.
Uma vez que cada vez menos se acredita na vida para lá da morte, já não
faz sentido fazer melhor na outra vida, a vida eterna; então, o homem
moderno pensa que tem de fazer tudo o que quer em 70, 80, 90 anos,
tornando-se a aceleração o "substituto da eternidade".</div>
<div style="text-align: justify;">
Antes, talvez as coisas fossem mais agradáveis. Hoje, é preciso andar
sempre mais depressa, de tal modo que já não se consegue ter algum
sossego. Veja-se estas duas experiências. Cientistas da Universidade da
Virgínia levaram pessoas de todas as idades para um espaço agradável e
pediram que ficassem durante cinco a 15 minutos sentadas e entretidas
com os seus pensamentos; a maioria reagiu com sinais visíveis de
mal-estar. Noutra investigação, havia a possibilidade de durante os 15
minutos de tranquilidade darem a si mesmas um pequeno choque eléctrico.
Resultado: dois terços dos homens e um quarto das mulheres preferiram
dar a si mesmos pelo menos uma vez um choque a ficar simplesmente
sentados e quietos. Um homem deu a si próprio 190 choques.</div>
<div style="text-align: justify;">
Neste contexto, cai-se no perigo, como preveniu o famoso bispo do Porto,
D. António Ferreira Gomes, da "agitação paralisante e da paralisia
agitante". E quando é que se pensa e se vai ao essencial em todos os
domínios? Perdido o ócio, só resta a sua negação, isto é, o negócio.
Quantos se recordam de que a palavra escola vem do grego scholê, que
significa precisamente ócio? Não o ócio da preguiça, mas o ócio da
liberdade, para pensar, que, por sua vez, vem de pensar e, pesar razões
para as boas e grandes decisões, também na política. "A política precisa
de mais momentos de desaceleração e de reflexão para debruçar-se sobre
decisões fundamentais", disse Andreas Vosskuhle, presidente do Tribunal
Constitucional da Alemanha. E o antigo vice-chanceler Franz Müntefering:
"Quando um Parlamento já não tiver tempo para discutir, consultar,
reflectir e então decidir, vencerão os sistemas autocráticos, que não
respeitam ninguém."</div>
<div style="text-align: justify;">
Mais uma vez, o sociólogo e filósofo Hartmut Rosa: "A questão não é que
velocidade atingimos, mas em que medida ela é boa para uma vida boa."
Afinal, quando vivemos de verdade?</div>
<div style="text-align: justify;">
<div style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 13px; font-weight: bold; line-height: 18.4799995422363px; text-align: justify;">
<span style="line-height: 18.4799995422363px;">*</span><span style="background-color: #fff3db; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; line-height: 18.4799995422363px;"><b><span style="font-size: xx-small;">Transcrição do</span> </b></span><span style="background-color: #fff3db; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; line-height: 18.4799995422363px;"><b>DN</b></span><span style="background-color: #fff3db; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: xx-small; line-height: 18.4799995422363px;"> <b>da crónica de </b></span><b style="background-color: #fff3db; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; line-height: 18.4799995422363px;">Anselmo Borges</b><span style="background-color: #fff3db; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: xx-small; line-height: 18.4799995422363px;">, publicada neste jornal no sábado passado, dia 10 de Janeiro de 2015</span></div>
</div>
Marinho Borgeshttp://www.blogger.com/profile/08746023392154722492noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-2090584329370639962.post-83553789084570333752015-01-06T18:06:00.005+00:002015-01-06T18:07:29.403+00:00O TEMPO DO ESSENCIAL*<div style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 13px; font-weight: bold; line-height: 18.4799995422363px; text-align: justify;">
<br />
1. Já Santo Agostinho se queixava: "Se ninguém me perguntar o que é o tempo, eu sei o que é, mas, se me perguntarem e eu quiser explicar, já não sei.” O tempo é um enigma. Se soubéssemos o que é, talvez tivéssemos resposta para a pergunta pelo que somos. Mas realmente, o passado já não é, o futuro ainda não é. E o presente? Quando queremos captá-lo, verdadeiramente ainda não é ou já não é, porque o presente passa, não dura. No entanto, é no presente que vivemos e somos. Só? Não. Porque somos a partir do que fomos, do passado, e na expectativa do futuro, de projectos. Há por vezes a ideia de que o tempo é uma espécie de corredor que se vai percorrendo. Mas não. O tempo é o modo como o ser finito, concretamente o ser humano, se vai realizando.</div>
<div style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 13px; font-weight: bold; line-height: 18.4799995422363px; text-align: justify;">
Qual é então a dimensão mais importante do tempo? Diríamos que é o passado, pois ninguém no-lo pode tirar: ninguém pode anular o ter sido. Dir-se-á que é o futuro, porque ainda não somos o que havemos de ser e é animados pela esperança que vivemos. Mas, afinal, é sempre no presente que vamos sendo. Temos, porém, dificuldade em viver no presente, como já Pascal se lamentava: "Nunca nos agarramos ao tempo presente", preocupados com o futuro ou dispersos com lembranças do passado; embora só o presente nos pertença verdadeiramente, "andamos erráticos por tempos que não são os nossos", passando o tempo na dispersão, o famoso <i>divertissement</i> pascaliano.</div>
<div style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 13px; font-weight: bold; line-height: 18.4799995422363px; text-align: justify;">
<a href="https://www.blogger.com/null" name="more"></a></div>
<div style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 13px; font-weight: bold; line-height: 18.4799995422363px; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 13px; font-weight: bold; line-height: 18.4799995422363px; text-align: justify;">
2. M. Lequin fez uma síntese da concepção do tempo em sete pensadores. E lá está Platão, para quem o tempo é uma "imagem móvel da eternidade"; embora o nosso mundo tenha sido feito à imagem de um modelo eterno, o tempo apenas imita a eternidade, num mundo submetido ao devir, onde se nasce e morre. Pascal, no contexto do que ficou dito, sublinha que viver verdadeiramente é esforçar-se por viver no presente, em vez de "delapidar a vida em expectativas ou lamentações". Segundo Kant, o tempo não existe em si mesmo nem nas coisas: o espaço e o tempo são condições formais da sensibilidade, sem as quais não podemos captar os objectos da experiência sensível, os fenómenos. Para Bergson, o tempo é essencialmente "duração", duração viva, vivemo-lo à maneira das "notas de um melodia", formando um tecido. Para Einstein, segundo a teoria da relatividade restrita, não existindo um tempo idêntico para todos os observadores, cada um tem o seu "tempo próprio". Hartmut Rosa chama a atenção para o paradoxo de termos cada vez menos tempo, quando, pela aceleração e inovação técnica, ganhamos cada vez mais tempo. Afinal, fazemos a experiência do tempo, sobretudo porque envelhecemos e morremos e, por isso, Heidegger sublinhou que é a partir da morte que pensamos o tempo: antecipando esse futuro para o qual somos projectados - característica essencial da existência humana é "o ser-para-a-morte" -, há para nós um passado e um presente. Passado, presente e futuro são os três modos do tempo de que a existência é indissociável e é neles que devemos tentar ser nós mesmos, em existência autêntica.</div>
<div style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 13px; font-weight: bold; line-height: 18.4799995422363px; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 13px; font-weight: bold; line-height: 18.4799995422363px; text-align: justify;">
3. Há múltiplas experiências do tempo: uma coisa é o tempo quantitativo, mensurável; outra coisa é o tempo da criação, da beleza, da música, das decisões fundamentais, do amor. Por isso, em grego há duas palavras distintas para o tempo: Chronos, que devora os seus próprios filhos, e kairós, o tempo oportuno, favorável, do amor, da decisão.</div>
<div style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 13px; font-weight: bold; line-height: 18.4799995422363px; text-align: justify;">
Do pior do nosso tempo é a banalidade rasante, o presentismo consumista e saltitante de um momento para outro momento, na dispersão de que falava Pascal, sem consistência nem projecto. O que daí resulta é o vazio e o tédio, na voragem de um tempo hedonista. Por isso, no início de um novo ano, talvez não fosse mau parar um pouco para pensar, meditar e ir ao essencial. Afinal, o tempo é o tempo de nos fazermos, no quadro de um projecto decente e digno. O que queremos fazer de nós, uns com os outros?</div>
<div style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 13px; font-weight: bold; line-height: 18.4799995422363px; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 13px; font-weight: bold; line-height: 18.4799995422363px; text-align: justify;">
4. Deixo aí, nas palavras do filósofo F. Lenoir, esta bela história, apelando ao essencial: "Um sábio tomou a palavra e disse: Escutai a história desta mulher que tem um filho nos braços. Ao passar diante de uma gruta, ouve uma voz misteriosa que lhe diz: 'Entra e apanha tudo o que quiseres. Mas lembra-te de uma coisa: depois de saíres, uma porta fechar-se-á para sempre. Aproveita a oportunidade, mas não esqueças o mais importante.' A mulher entra na gruta e descobre um fabuloso tesouro. Fascinada pelo ouro, os diamantes e as pérolas, coloca o filho no chão e apodera-se de tudo quanto pode. Sonha com o que vai poder fazer com todas estas riquezas. A voz misteriosa diz-lhe: 'Passou o tempo, não esqueças o mais importante.' Ao ouvir a voz, a mulher, carregada de ouro e pedras preciosas, corre para fora da gruta cuja porta se fecha para todo o sempre. Ela encanta-se com o seu tesouro. E só então se lembra do filho que esqueceu no interior da gruta."</div>
<div style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 13px; font-weight: bold; line-height: 18.4799995422363px; text-align: justify;">
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<div style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 13px; font-weight: bold; line-height: 18.4799995422363px; text-align: justify;">
5. Um 2015 abençoado, feliz, pleno de realizações boas e felicitantes!</div>
<div style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 13px; font-weight: bold; line-height: 18.4799995422363px; text-align: justify;">
<span style="line-height: 18.4799995422363px;">*</span><span style="background-color: #fff3db; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; line-height: 18.4799995422363px;"><b><span style="font-size: xx-small;">Transcrição do</span> </b></span><span style="background-color: #fff3db; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; line-height: 18.4799995422363px;"><b>DN</b></span><span style="background-color: #fff3db; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: xx-small; line-height: 18.4799995422363px;"> <b>da crónica de </b></span><b style="background-color: #fff3db; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; line-height: 18.4799995422363px;">Anselmo Borges</b><span style="background-color: #fff3db; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: xx-small; line-height: 18.4799995422363px;">, publicada neste jornal no sábado passado, dia 3 de Janeiro de 2015</span></div>
Marinho Borgeshttp://www.blogger.com/profile/08746023392154722492noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-2090584329370639962.post-91994901554431558472014-12-30T13:10:00.003+00:002014-12-30T13:11:03.383+00:00Catálogo das doenças da Cúria*<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 13px; font-weight: bold; line-height: 18.4799995422363px; text-align: justify;">
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Estou convencido de que nunca pensaram ter de ouvir o que ouviram. Estavam os cardeais, bispos, monsenhores na bela Sala Clementina, para a saudação natalícia papal. A Cúria — governo e administração central da Igreja — esperaria palavras diplomáticas, alusivas à data. Mas o Papa Francisco veio com o Evangelho, num discurso profético e arrasador.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 13px; font-weight: bold; line-height: 18.4799995422363px; text-align: justify;">
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<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 13px; font-weight: bold; line-height: 18.4799995422363px; text-align: justify;">
A. Como seria belo, começou, "pensar que a Cúria romana é um pequeno modelo da Igreja". No entanto, "como todo o corpo humano, está exposta à doença, ao mau funcionamento". E enumerou, em tom duro, algumas destas doenças da Cúria.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 13px; font-weight: bold; line-height: 18.4799995422363px; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 13px; font-weight: bold; line-height: 18.4799995422363px; text-align: justify;">
1. Tudo gira à volta da "patologia do poder". Assim, a primeira doença é a de "sentir-se imortal, indispensável", que leva ao narcisismo e a considerar-se superior a todos e não ao serviço de todos. Por isso, aconselhou uma cura de humildade: passar por um cemitério e ver os nomes de tantos que também pensaram que eram imortais e indispensáveis. "Uma Cúria que não se autocrítica, que não procura melhorar é um corpo doente". 2. Outra doença é o "martismo". No Evangelho, há duas irmãs: Marta e Maria e, enquanto esta escuta Jesus, Marta corre e atarefa-se sem descanso. O martismo é, pois, o trabalho excessivo, no stress, na agitação, sem repouso para a meditação e interioridade. 3. Há também a "fossilização mental e espiritual", que leva à perda da sensibilidade necessária para chorar com os que choram e alegrar-se com os que se alegram. 4. Lá está ainda a doença do excesso de planificação e do funcionalismo, que conduz a posicionamentos estáticos e imutáveis, com a pretensão de domesticar o Espírito. 5. A doença da má coordenação, perdendo o espírito de colaboração e equipa. 6. A doença do "Alzheimer espiritual": perdeu-se a memória do encontro com Jesus e com Deus e vive-se então na dependência de concepções imaginárias, das próprias paixões, caprichos e manias. 7. Lá estão "a rivalidade e a vanglória", transformando-se a aparência, as honras e as medalhas honoríficas no primeiro objectivo da vida. 8. A doença da "esquizofrenia existencial", que é a de "quem vive uma vida dupla, fruto da hipocrisia típica do medíocre e do vazio espiritual que títulos académicos não podem preencher". Doença que afecta sobretudo quem se limita às coisas burocráticas e perde o contacto pastoral. 9. A doença dos "rumores, mexericos, murmurações, má-língua", que pode levar ao "homicídio a sangue frio". Cuidado com "o terrorismo dos rumores, do diz-se!". 10. A doença de "divinizar os chefes", própria de quem idolatra os superiores: "são vítimas do carreirismo e do oportunismo". 11. A doença da indiferença para com os outros. 12. A "doença da cara de funeral": são pessoas" bruscas e grosseiras", sem alegria nem delicadeza. 13. A doença da acumulação de bens materiais, querendo assim preencher "um vazio existencial no coração". 14. A doença dos "círculos fechados", com o perigo de cortar a relação com o Corpo da Igreja e até com o próprio Cristo. 15. A última é "a doença do mundanismo, do exibicionismo", transformando o serviço em poder.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 13px; font-weight: bold; line-height: 18.4799995422363px; text-align: justify;">
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<a href="https://www.blogger.com/null" name="more" style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 13px; font-weight: bold; line-height: 18.4799995422363px;"></a><br style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 13px; font-weight: bold; line-height: 18.4799995422363px;" />
<br />
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 13px; font-weight: bold; line-height: 18.4799995422363px; text-align: justify;">
B. É claro que "estas doenças e tentações são naturalmente um perigo para cada cristão e para cada cúria (diocesana), comunidade, paróquia, movimento eclesial, e podem ferir tanto a nível individual como comunitário", concluiu. Aliás, podemos acrescentar que as tentações de sentimento de imortalidade, Alzheimer espiritual, esquizofrenia existencial, exibicionismo, materialismo, vaidade, nepotismo, martismo... são tentações de governantes e cidadãos em geral, em toda a parte. Mas, aqui, sem adoçar as palavras, Francisco dirigiu-se directamente à Cúria romana, que não quer como corte e que não reagiu entusiasta ao discurso, apenas com palmas tímidas e frouxas. Possivelmente, a Cúria ao longo dos tempos terá feito mais ateus e provocado mais abandonos da Igreja do que Marx, Nietzsche, Freud e outros pensadores ateus juntos.<o:p></o:p></div>
<br style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 13px; font-weight: bold; line-height: 18.4799995422363px;" />
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 13px; font-weight: bold; line-height: 18.4799995422363px; text-align: justify;">
Recentemente, o historiador da Igreja, Andrea Riccardi, fundador da célebre Comunidade de Santo Egídio, ex-ministro da Itália e amigo de Francisco, advertiu que "o Papa tem muita oposição dentro e fora da Cúria, e sabe-o". Francisco está a operar uma revolução na Igreja e tem consciência de que há maquinações no sentido de um restauracionismo pré-conciliar. Mas também sabe, como acrescentou Riccardi, que, sem o Concílio Vaticano II, "a Igreja teria naufragado e seria uma pequena comunidade com um grande passado". "A Igreja errou ao apresentar-se como o partido dos valores tradicionais", e "aceitar o desafio de ser Igreja-povo é crucial". Francisco é consciente de que, sem reformas estruturais na Igreja, corre o risco de, desaparecendo ele, o seu pontificado vir a ser considerado como um simples parêntesis. Por isso, invocou a urgência de conversão da Cúria. Fê-lo, à luz do Evangelho, frente à Cúria e sabendo que a maior parte da Igreja e da opinião pública mundial está do seu lado.</div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 13px; font-weight: bold; line-height: 18.4799995422363px; text-align: justify;">
<span style="line-height: 18.4799995422363px;">*</span><span style="background-color: #fff3db; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; line-height: 18.4799995422363px;"><b><span style="font-size: xx-small;">Transcrição do</span> </b></span><span style="background-color: #fff3db; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; line-height: 18.4799995422363px;"><b>DN</b></span><span style="background-color: #fff3db; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: xx-small; line-height: 18.4799995422363px;"> <b>da crónica de </b></span><b style="background-color: #fff3db; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; line-height: 18.4799995422363px;">Anselmo Borges</b><span style="background-color: #fff3db; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: xx-small; line-height: 18.4799995422363px;">, publicada neste jornal no sábado passado, dia 27 de Dezembro de 2014</span></div>
Marinho Borgeshttp://www.blogger.com/profile/08746023392154722492noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-2090584329370639962.post-86886452373039726612014-12-22T18:43:00.004+00:002014-12-22T18:44:19.990+00:00Herança cristã da Europa*<div style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 13px; font-weight: bold; line-height: 18.4799995422363px; text-align: justify;">
No contexto dos debates à volta da entrada ou não da Turquia na União Europeia, o escritor turco Orhan Pamuk, Nobel da Literatura de 2006, fez, na sua recente visita a Lisboa, algumas considerações sobre os valores fundamentais da Europa, que merecem atenção. Foi dizendo que a herança cultural europeia não se deve limitar à preservação dos seus monumentos, pois não pode esquecer "a preservação dos seus valores fundamentais", acrescentando que "temos de ter uma discussão séria sobre esses valores".</div>
<div style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 13px; font-weight: bold; line-height: 18.4799995422363px; text-align: justify;">
Pamuk não concretizou muito quanto a estes valores. Assim, talvez se deva ter em atenção o que disse, há um ano, a um jornalista colombiano, que lhe perguntou se se sentia europeu: "Não sei. Não penso nesses termos. Em primeiro lugar, sinto-me turco. E um turco tanto se sente europeu como não europeu. Acredito numa Europa que não se baseia no cristianismo, mas no Renascimento, na Modernidade, na 'Liberdade, Igualdade, Fraternidade'. Essa é a minha Europa. Acredito nessas coisas e quero fazer parte delas. Mas, se a Europa é a civilização cristã, lamento: nós, turcos, não queremos entrar."</div>
<div style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 13px; font-weight: bold; line-height: 18.4799995422363px; text-align: justify;">
Precisamente aqui é que está a razão por que chamo a atenção para estas declarações. De facto, a pergunta é: tudo aquilo que Pamuk quer, e bem - Renascimento, Modernidade, Liberdade, Igualdade, Fraternidade -, são pensáveis, sem terem na sua base precisamente o cristianismo?</div>
<div style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 13px; font-weight: bold; line-height: 18.4799995422363px; text-align: justify;">
Vou citar uma série de grandes e reputados pensadores que mostram que não, e trata-se de pensadores que são agnósticos ou ateus. Por exemplo, o historiador Antonio Piñero dizia recentemente, depois de declarar que Jesus afirmou a igualdade teológica de todas as pessoas enquanto filhas de Deus: "Esperava-se que mais tarde chegasse a igualdade social. Se compararmos o cristianismo com todas as outras religiões do mundo, vemos que essa igualdade substancial de todos os homens é o que tornou possível que com o tempo se chegasse ao Renascimento, à Revolução Francesa, ao Iluminismo e aos direitos humanos. Isto quer dizer: o Evangelho guarda, em potência, a semente dessa igualdade, que não podia ser realidade na sociedade do século I. O cristianismo está por trás, à maneira de fermento, de todos os movimentos igualitários e feministas que houve na história, embora agora o não vejamos claramente, porque o cristianismo evoluiu para humanismo. Mas esse humanismo não se vê em religiões que não sejam cristãs. Ou porventura o budismo, por si, chegou ao Iluminismo? O xintoísmo? O islão? Os poucos movimentos feministas que há nessas religiões estão inspirados na cultura ocidental. E a cultura ocidental tem como sustento a cultura cristã. Embora se trate de uma cultura cristã descrida, desclericalizada e agnóstica, culturalmente cristã."</div>
<div style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 13px; font-weight: bold; line-height: 18.4799995422363px; text-align: justify;">
Houve erros e tragédias, guerras, colonialismo, Cruzadas, Inquisição, no contexto do cristianismo histórico? Ninguém o pode negar. Mas é também inegável a sua influência positiva no melhor dos últimos dois milénios da história da humanidade, incluindo a actualidade. Por isso, o filósofo ateu convicto e combatente, Michel Onfray, escreve no seu Tratado de Ateologia: 'A carne ocidental é cristã. Incluindo a dos ateus, muçulmanos, deístas e agnósticos educados, criados ou instruídos na zona geográfica e ideológica judeo-cristã." O filósofo André Comte-Sponville também escreve: "Sou ateu, uma vez que não creio em nenhum deus, mas fiel, porque me reconheço como parte de determinada tradição, de determinada história e dos seus valores judeo-cristãos (ou greco-cristãos), que são os nossos."</div>
<div style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 13px; font-weight: bold; line-height: 18.4799995422363px; text-align: justify;">
Na sua recente obra, Sagesses d'hier et d'aujourd'hui (Sabedorias de ontem e de hoje), na qual traça a história essencial das sabedorias e filosofias ao longo dos tempos, o filósofo Luc Ferry, que foi ministro da Educação de França, dedica um grande capítulo a "Jesus e a revolução judeo-cristã". Aí se lê, logo à entrada: "Entre os séculos V e XVII, o Ocidente foi essencialmente cristão, cultural e filosoficamente cristão, de tal modo que a filosofia moderna, mesmo quando foi crítica das religiões e até resolutamente ateia, não esteve menos marcada de modo decisivo por esta herança religiosa." E dá o exemplo do idealismo alemão, acrescentando: "Assim, mesmo para os que não são crentes, o fundo de cultura judeo-cristã é omnipresente, de tal modo que é sempre indispensável interessar-se por ela e captar os seus principais traços, em ordem a compreendermo-nos a nós mesmos e compreender o mundo no qual vivemos." E, depois de apresentar características essenciais do cristianismo, raízes e herança da Europa democrática e dos direitos humanos, conclui: "Mesmo quando se é radicalmente não-crente, está-se evidentemente impregnado por esta cultura cristã que dominou a história do Ocidente, mas que não se reduziu a ele."</div>
<div style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 13px; font-weight: bold; line-height: 18.4799995422363px; text-align: justify;">
No Natal, o que está em festa essencial é a infinita dignidade humana, que veio ao mundo em Jesus Cristo. Boas-Festas!</div>
<div style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 13px; font-weight: bold; line-height: 18.4799995422363px; text-align: justify;">
<span style="line-height: 18.4799995422363px;">*</span><span style="background-color: #fff3db; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; line-height: 18.4799995422363px;"><b><span style="font-size: xx-small;">Transcrição do</span> </b></span><span style="background-color: #fff3db; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; line-height: 18.4799995422363px;"><b>DN</b></span><span style="background-color: #fff3db; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: xx-small; line-height: 18.4799995422363px;"> <b>da crónica de </b></span><b style="background-color: #fff3db; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; line-height: 18.4799995422363px;">Anselmo Borges</b><span style="background-color: #fff3db; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: xx-small; line-height: 18.4799995422363px;">, publicada neste jornal no sábado passado, dia 20 de Dezembro de 2014</span></div>
Marinho Borgeshttp://www.blogger.com/profile/08746023392154722492noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-2090584329370639962.post-77050863498983015582014-12-16T15:33:00.002+00:002014-12-16T15:33:24.848+00:00A DIGNIDADE DE SER ATEU*<div style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 13px; font-weight: bold; line-height: 18.4799995422363px; text-align: justify;">
A liberdade religiosa é um direito humano fundamental. Poder-se-ia mesmo dizer que é o direito mais fundamental, na base de todos os outros direitos, na medida em que, estando referido ao infinito-liberdade de acreditar em Deus ou não, seguir esta religião ou aquela ou nenhuma, mudar de religião -, mostra a transcendente dignidade humana no confronto com o infinito.</div>
<div style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 13px; font-weight: bold; line-height: 18.4799995422363px; text-align: justify;">
Nem sempre houve esta compreensão, também entre os cristãos e nomeadamente na Igreja Católica. Quando se olha para a história, encontramos, neste domínio, um estendal de miséria e vergonha. Houve guerras religiosas, Inquisição, assassínios, prisões, conversões sob ameaça de morte, tudo por causa de interesses de domínio: religioso, político, económico, geoestratégico.</div>
<div style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 13px; font-weight: bold; line-height: 18.4799995422363px; text-align: justify;">
Felizmente, há hoje no Ocidente a afirmação clara do direito à liberdade religiosa, garantida por Estados não confessionais, dentro da separação do Estado e das Igrejas. E hoje, de facto, o cristianismo é, de longe, a religião mais perseguida no mundo. Veja-se o volumoso "Livro negro da condição dos cristãos no mundo", recentemente publicado.</div>
<div style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 13px; font-weight: bold; line-height: 18.4799995422363px; text-align: justify;">
<a href="https://www.blogger.com/null" name="more"></a><br /></div>
<div style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 13px; font-weight: bold; line-height: 18.4799995422363px; text-align: justify;">
Desgraçadamente, o Relatório 2014 da Ajuda à Igreja que Sofre sobre as violações da liberdade religiosa no mundo é tudo menos animador. Entre os vinte países com a mais alta taxa de intolerância religiosa, há doze que pioraram no último ano: Iraque, Líbia, Nigéria, Paquistão, Síria, Sudão, Azerbaijão, China, Egipto, República Centro-Africana, Usbequistão, Myanmar, e quinze têm um regime de governo muçulmano, a que se deve juntar a Nigéria, religiosamente dividida entre cristãos e muçulmanos e o autoproclamado Estado Islâmico. Há um cuja religião preponderante é o budismo: Myanmar.</div>
<div style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 13px; font-weight: bold; line-height: 18.4799995422363px; text-align: justify;">
Também no Sri Lanka, que o Papa Francisco visitará em Janeiro próximo, onde o budismo domina, há intolerância, embora em menor medida. Associa-se ao budismo a ideia de paz, tolerância, sabedoria, compaixão, e pensa-se no Dalai Lama. Isto é verdade, mas é igualmente verdade que a liberdade religiosa está fortemente reprimida não só nestes dois países mas também noutros, embora em grau menos elevado, onde o budismo é dominante: Laos, Camboja, Butão, Mongólia.</div>
<div style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 13px; font-weight: bold; line-height: 18.4799995422363px; text-align: justify;">
Como já foi dito, também o Relatório considera que, em vários casos, os motivos para a repressão são sobretudo políticos, étnicos e culturais. Mas não se poderá negar a afirmação de um credo religioso contra os outros, como acontece de modo absolutamente claro no Estado Islâmico. Neste caso, a natureza religiosa da guerra brutal contra os "infiéis" é afirmada pela revista <i>La Civiltà Cattolica</i>: "A sua é uma guerra de religião e de aniquilamento. Instrumentaliza o poder da religião e não vice -versa." Não só os cristãos, os iazidis e judeus mas também outros irmãos muçulmanos, xiitas e alauítas, etc. são considerados "apóstatas", "porque não têm como meta o califado mundial, mas, quando muito, Estados nacionais governados pela <i>sharia</i>". Esta brutalidade chegou à África, com o grupo Boko Haram.</div>
<div style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 13px; font-weight: bold; line-height: 18.4799995422363px; text-align: justify;">
Evidentemente, face a um deus que legitimasse a crueldade cega e bruta, arrepiante, do Estado Islâmico, e a violência e o terrorismo em seu nome, só haveria uma atitude humanamente digna: ser ateu.</div>
<div style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 13px; font-weight: bold; line-height: 18.4799995422363px; text-align: justify;">
Já aqui escrevi sobre o KAICIID, sigla em inglês do Centro Internacional King Ab-dullah bin Abdulaziz para o Diálogo Inter-religioso e Intercultural. A sua sede é Viena, os fundadores, a Áustria, a Espanha e a Arábia Saudita, tendo o Vaticano como observador fundador e apoiante da iniciativa impulsionada pelo monarca saudita, que dá o nome à instituição. Em 19 de Novembro passado, da sua reunião resultou a Declaração United Against Violence in the Name of Religion, condenando, portanto, a violência em nome da religião. De louvar, claro, mas não se pode deixar de referir que a Arábia Saudita proíbe a prática de religiões não muçulmanas.</div>
<div style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 13px; font-weight: bold; line-height: 18.4799995422363px; text-align: justify;">
De regresso da sua visita à Turquia, também em Novembro, o Papa Francisco declarou, numa conferência de imprensa no avião, que "não se pode dizer que todos os muçulmanos são terroristas" e que "nós também temos cristãos fundamentalistas, eh?!" Mas pediu insistentemente aos líderes muçulmanos "uma condenação mundial" do terrorismo islâmico: "Seria bom que todos os líderes muçulmanos, políticos, religiosos, digam claramente que condenam isso, pois ajudaria a maioria do povo muçulmano. Todos necessitamos de uma condenação mundial." Se há islamofobia, também há cristianofobia: "Perseguem os cristãos no Médio Oriente como se quisessem que nada restasse de cristão."</div>
<div style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 13px; font-weight: bold; line-height: 18.4799995422363px; text-align: justify;">
Penso que, para a liberdade religiosa, há duas condições essenciais. Uma tem que ver com a leitura histórico-crítica dos textos sagrados. A outra exige a separação do Estado e da Igreja, da religião e da política. Sem um Estado confessionalmente neutro, laico, que garanta a liberdade religiosa de todos, continuará a <i>capitis diminutio</i> (perda de direitos) dos cidadãos que não sigam a religião oficial do Estado.</div>
<div style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 13px; font-weight: bold; line-height: 18.4799995422363px; text-align: justify;">
<span style="line-height: 18.4799995422363px;">*</span><span style="background-color: #fff3db; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; line-height: 18.4799995422363px;"><b><span style="font-size: xx-small;">Transcrição do</span> </b></span><span style="background-color: #fff3db; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; line-height: 18.4799995422363px;"><b>DN</b></span><span style="background-color: #fff3db; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: xx-small; line-height: 18.4799995422363px;"> <b>da crónica de </b></span><b style="background-color: #fff3db; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; line-height: 18.4799995422363px;">Anselmo Borges</b><span style="background-color: #fff3db; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: xx-small; line-height: 18.4799995422363px;">, publicada neste jornal no sábado passado, dia 13 de Dezembro de 2014</span></div>
Marinho Borgeshttp://www.blogger.com/profile/08746023392154722492noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-2090584329370639962.post-91785822616631021582014-12-09T21:26:00.001+00:002014-12-09T21:26:19.209+00:00A AVÓ EUROPA DE FRANCISCO*<div style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 13px; font-weight: bold; line-height: 18.4799995422363px; text-align: justify;">
A Europa mítica é uma princesa de Tiro. Como que a lembrar que é a Eurásia, a Europa ecuménica, de fronteiras imprecisas. Zeus disfarçado de touro aproximou-se da bela princesa fenícia, deixando que o acariciasse e trepasse para o seu dorso. Entrou então pelo mar, dirigindo Eros o casal para Creta, onde fizeram amor. Foi a esta Europa, ao mesmo tempo divina e terrena, e agora em crise, envelhecida e sem confiança, que o Papa Francisco se dirigiu na semana passada com dois discursos: ao Parlamento Europeu e ao Conselho da Europa. 1. Francisco quis deixar "uma mensagem de esperança e de alento" a uma Europa que, num mundo cada vez mais global, é cada vez menos "eurocêntrica" e dá a impressão de "cansaço e envelhecimento", a ponto de "os grandes ideais que a inspiraram parecerem ter perdido força de atracção".</div>
<div style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 13px; font-weight: bold; line-height: 18.4799995422363px; text-align: justify;">
<a href="https://www.blogger.com/null" name="more"></a><br /></div>
<div style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 13px; font-weight: bold; line-height: 18.4799995422363px; text-align: justify;">
No centro do ambicioso projecto europeu tem de estar o homem, "não tanto como cidadão ou sujeito económico", mas como "pessoa dotada de uma dignidade transcendente". A promoção desta dignidade significa reconhecer que a pessoa possui "direitos inalienáveis". Mas o homem não é uma "mó- nada", é um ser em relação, de tal modo que direitos e deveres de cada um estão em conexão com os dos outros e com o bem comum.</div>
<div style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 13px; font-weight: bold; line-height: 18.4799995422363px; text-align: justify;">
Denunciou a "doença da solidão", que atinge velhos, pobres, imigrantes, jovens sem referências, advertindo que "o ser humano corre o risco de ser reduzido a uma mera engrenagem de um mecanismo que o trata como um simples bem de consumo para ser utilizado". Este equívoco surge quando prevalece "a absolutização da técnica", que acaba por causar "uma confusão entre os fins e os meios", e é o resultado da "cultura do descarte", do "consumismo exasperado", da "globalização da indiferença".</div>
<div style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 13px; font-weight: bold; line-height: 18.4799995422363px; text-align: justify;">
No famoso fresco de Rafael, que se encontra no Vaticano e representa a Escola de Atenas, no qual Platão aponta para o alto e Aristóteles estende a mão para diante e para o chão, vê "uma imagem que descreve bem a Europa na sua história, feita de um permanente encontro entre o céu e a terra, onde o céu indica a abertura ao transcendente, que desde sempre caracterizou o homem europeu, e a terra representa a sua capacidade prática e concreta de enfrentar as situações e os problemas".</div>
<div style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 13px; font-weight: bold; line-height: 18.4799995422363px; text-align: justify;">
Entre os problemas, lembrou a importância fundamental da família, "as numerosas injustiças e perseguições que sofrem as minorias religiosas e particularmente cristãs", "é hora de favorecer as políticas de emprego e voltar a dar-lhe dignidade", a questão migratória: "não se pode tolerar que o Mediterrâneo se torne um grande cemitério", a ecologia: devemos ser "guardiões" e "não donos" da natureza.</div>
<div style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 13px; font-weight: bold; line-height: 18.4799995422363px; text-align: justify;">
"Chegou a hora de construir juntos a Europa que não gire à volta da economia mas da sacralidade da pessoa humana, dos valores inalienáveis", que abrace com valentia o seu passado, com o seu "património cristão", e olhe "com confiança o futuro", vivendo "o presente com esperança", abandonando "a ideia de uma Europa atemorizada". Para promover "uma Europa protagonista, transmissora de ciência, arte, música, valores humanos e também de fé. A Europa que contempla o céu e persegue ideais, que caminha sobre a terra segura e firme, precioso ponto de referência para toda a humanidade".</div>
<div style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 13px; font-weight: bold; line-height: 18.4799995422363px; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 13px; font-weight: bold; line-height: 18.4799995422363px; text-align: justify;">
2. 0 que Francisco pensa de verdade sobre a Europa disse-o, em Outubro, ao Conselho das Conferências Episcopais da Europa, ao abandonar o discurso oficial e falar ex corde.</div>
<div style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 13px; font-weight: bold; line-height: 18.4799995422363px; text-align: justify;">
"Que se passa hoje na Europa? Continua a ser a nossa mãe Europa ou é a avó Europa? É ainda fecunda? É estéril? Por outro lado, esta Europa cometeu algum pecado. Temos de dizê-lo com amor: não reconheceu uma das suas raízes." Por isso, já não se sente cristã "ou sente-se cristã um pouco às escondidas, mas não quer reconhecer esta raiz europeia".</div>
<div style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 13px; font-weight: bold; line-height: 18.4799995422363px; text-align: justify;">
A Europa "está a ser invadida". "Será a segunda invasão dos bárbaros, não sei. Agora, sente esta 'invasão' entre aspas, de gente que vem à procura de trabalho, liberdade e uma vida melhor."</div>
<div style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 13px; font-weight: bold; line-height: 18.4799995422363px; text-align: justify;">
"A Europa está ferida." E fala da crise e do desemprego, sobretudo dos jovens. "A Europa descartou as crianças. De modo um pouco triunfal. Recordo que quando era estudante num país as clínicas que faziam abortos depois mandavam o resultado para fábricas de cosméticos. A beleza da maquilhagem feita com o sangue dos inocentes."</div>
<div style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 13px; font-weight: bold; line-height: 18.4799995422363px; text-align: justify;">
A Europa está cheia de velhos. E "cansada de desorientação". "Eu não quero ser pessimista, mas digamos a verdade: depois da comida, da roupa e da saúde, quais são os gastos mais importantes? A cosmética e os animais de estimação. Não têm filhos, mas afecto ao gatinho, ao cãozinho. É este o segundo gasto depois dos três principais. O terceiro é toda a indústria para favorecer o prazer sexual. Os nossos jovens sentem isto, vêem isto, vivem isto."</div>
<div style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 13px; font-weight: bold; line-height: 18.4799995422363px; text-align: justify;">
Mas não é o fim, pois a Europa "tem muitos recursos para andar para diante. E o recurso maior é a pessoa de Jesus". No meio das feridas, esta é "a nossa missão: pregar Jesus Cristo, sem vergonha".</div>
<div style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 13px; font-weight: bold; line-height: 18.4799995422363px; text-align: justify;">
*<span style="background-color: #fff3db; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; line-height: 18.4799995422363px;"><b><span style="font-size: xx-small;">Transcrição do</span> </b></span><span style="background-color: #fff3db; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; line-height: 18.4799995422363px;"><b>DN</b></span><span style="background-color: #fff3db; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: xx-small; line-height: 18.4799995422363px;"> <b>da crónica de </b></span><b style="background-color: #fff3db; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; line-height: 18.4799995422363px;">Anselmo Borges</b><span style="background-color: #fff3db; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: xx-small; line-height: 18.4799995422363px;">, publicada neste jornal no sábado passado, dia 6 de Dezembro de 2014</span></div>
Marinho Borgeshttp://www.blogger.com/profile/08746023392154722492noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-2090584329370639962.post-58370479902192552492014-12-01T17:49:00.000+00:002014-12-01T17:49:02.151+00:00O LAMAÇAL: ÉTICA E POLÍTICA*<div style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 13px; font-weight: bold; line-height: 18.4799995422363px; text-align: justify;">
1. Tenho aqui escrito muitas vezes que, ao contrário do q ue se pensa, fé e acreditar não são em primeiro lugar categorias religiosas. Trata-se do fundamental da existência, no sentido de que, sem fé, crédito, confiança, ninguém pode viver bem. O que mais falta faz no país não é precisamente a confiança e o crédito? A nossa vida está baseada, em todos os domínios, na confiança (vem de <i>fides</i>, fé) e no crédito (vem de<i> credere</i>, crer, acreditar) que damos aos outros e à vida e que eles nos dão a nós, de tal modo que podemos crer e confiar em nós próprios, abrindo futuro pessoal e colectivo.</div>
<div style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 13px; font-weight: bold; line-height: 18.4799995422363px; text-align: justify;">
Assim, a crise em que o país está mergulhado é a pior, porque minou a confiança. No meio deste lamaçal, em quem se pode confiar?</div>
<div style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 13px; font-weight: bold; line-height: 18.4799995422363px; text-align: justify;">
<a href="https://www.blogger.com/null" name="more"></a><br /></div>
<div style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 13px; font-weight: bold; line-height: 18.4799995422363px; text-align: justify;">
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<div style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 13px; font-weight: bold; line-height: 18.4799995422363px; text-align: justify;">
2. A nossa tragédia está aqui: perdemos o essencial. E o essencial somos nós mesmos. Os seres humanos somos constitutivamen- te abertos à questão ética. De facto, dada a neotenia - nascemos por fazer-, a nossa tarefa essencial, diria mesmo a única, no mundo é fazermo- -nos a nós próprios. Sendo livres, fazermo-nos moralmente bem. Temos a experiência de sermos dados a nós próprios. Assim, somos donos e senhores de nós mesmos - essa é a experiência radical da liberdade -, de tal modo que, no fim, desta tarefa de nos fazermos - e é sempre o que está acontecer: fazendo o que fazemos, estamos a fazer-nos a nós próprios - tanto pode resultar uma obra de arte como uma porcaria (desculpe-se a expressão, mas ela é a que traduz a realidade). Isto, individualmente e também colectivamente, pois fazemo-nos sempre em comunidade e sociedade. Desgraçadamente, é a segunda alternativa que nos está a acontecer.</div>
<div style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 13px; font-weight: bold; line-height: 18.4799995422363px; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 13px; font-weight: bold; line-height: 18.4799995422363px; text-align: justify;">
3. 0 que é que se impõe então com toda a urgência? Uma conversão moral. Cada uma, cada um, tem de assumir-se a si mesma, a si mesmo, na sua intrínseca tarefa: realizar-se na dignidade. Temos de habitar o mundo eticamente (um dos étimos da nossa palavra ética é <i>êthos</i>, que significa morada).</div>
<div style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 13px; font-weight: bold; line-height: 18.4799995422363px; text-align: justify;">
Precisamos de política? Claro. Mas, em última análise, precisamos da política no sentido estrito, que implica o Estado enquanto organização política da sociedade, detendo ele o monopólio da violência, porque não somos todos éticos.</div>
<div style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 13px; font-weight: bold; line-height: 18.4799995422363px; text-align: justify;">
Se todos fossem éticos, segundo a ética desinteressada, no quadro do fazer-se bem moralmente a si próprio, não era necessária a política, que ficava reduzida à administração das coisas. Só porque somos egoístas, interesseiros, corruptos e corruptores, é que temos necessidade do Estado para regular e gerir de modo não violento os conflitos. Como escreve o filósofo A. Comte-Sponville, se a moral reinasse, não teríamos necessidade de polícia, de leis, de tribunais, de forças armadas, de prisões.</div>
<div style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 13px; font-weight: bold; line-height: 18.4799995422363px; text-align: justify;">
"Não é possível legislar sobre tudo, até porque o indivíduo tem mais deveres do que o cidadão, pois há o pré-político e o pré-jurídico"</div>
<div style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 13px; font-weight: bold; line-height: 18.4799995422363px; text-align: justify;">
Deste modo, entende-se que ética e política não se identificam nem confundem, mas os seus objectivos são os mesmos: a realização verdadeiramente humana da humanidade de todos. Mas, precisamente aqui, uma vez que a política aparece como necessária, porque não somos éticos, surge o núcleo da questão: como encontrar políticos que sejam precisamente políticos, mas com ética?</div>
<div style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 13px; font-weight: bold; line-height: 18.4799995422363px; text-align: justify;">
Retomo o que já aqui tenho defendido. O grande desafio do nosso tempo é a formação ética, moral (uso aqui os termos como idênticos, sem as distinções que tecnicamente se imporiam), para os valores, que não se esgotam nem se identificam com o dinheiro e a riqueza, embora o valor dinheiro seja necessário. Quando isso não acontece, remetemos constantemente para a política, para as leis, para a regulação, para os tribunais... Ora, neste quadro, fica-se confrontado com questões temíveis. Primeira: não é possível legislar sobre tudo, até porque o indivíduo tem mais deveres do que o cidadão, pois há o pré-político e o pré-jurídico. Depois, seja como for, sem ética assumida - e acrescentaria: sem referência religiosa ao Absoluto -, fica apenas a lei e a sua sanção, o medo e a esperança de não se ser apanhado. Por exemplo, corrompe-se, é-se corrupto, não se paga impostos, precisamente na esperança de não se ser apanhado: se isso acontecer, tanto pior... De qualquer forma, nesta lógica, sem valores éticos assumidos, acaba, no limite, por ser necessário colocar um polícia junto de cada cidadão, para que cumpra a lei, mas, como os polícias também são humanos, é preciso pôr um polícia junto de cada polícia. O totalitarismo no meio de um lamaçal! Juvenal viu bem: <i>Custos custodit nos. Quis custodiet ipsos custodes</i>? (A guarda guarda-nos. Quem guardará a própria guarda?).</div>
<div style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 13px; font-weight: bold; line-height: 18.4799995422363px; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 13px; font-weight: bold; line-height: 18.4799995422363px; text-align: justify;">
4. É extraordinário, não deixando mesmo de ser paradoxal e estranho, que, precisamente no meio do lamaçal em que nos afundamos, seja notícia três trabalhadores anónimos da recolha de lixo da Câmara da Póvoa de Varzim terem, honradamente, entregado no respectivo serviço a quantia de 4400 e tal euros que encontraram num contentor. E ouvi-os dizer, na sua simplicidade honrada: foi isto que nos ensinaram em casa e na escola, quando éramos miúdos.</div>
<div>
*<span style="color: #222222; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: 13px; line-height: 18.4799995422363px; text-align: justify;"><b><span style="font-size: xx-small;">Transcrição do</span> </b></span><span style="color: #222222; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: 13px; line-height: 18.4799995422363px; text-align: justify;"><b>DN</b></span><span style="color: #222222; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: xx-small; line-height: 18.4799995422363px; text-align: justify;"> <b>da crónica de </b></span><b style="color: #222222; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: 13px; line-height: 18.4799995422363px; text-align: justify;">Anselmo Borges</b><span style="color: #222222; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: xx-small; font-weight: bold; line-height: 18.4799995422363px; text-align: justify;">, publicada neste jornal no sábado passado, dia 29 de Novembro de 2014</span></div>
Marinho Borgeshttp://www.blogger.com/profile/08746023392154722492noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-2090584329370639962.post-51063130346686072862014-11-25T12:41:00.004+00:002014-11-25T12:54:39.692+00:00REFORMADOS, EMÉRITOS, ETC.*<div style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 13px; font-weight: bold; line-height: 18.4799995422363px; text-align: justify;">
Há muito que me pergunto porque é que uns são reformados, outros jubilados, outros eméritos, outros pensionistas ou aposentados. Pus-me no encalço das palavras, à procura do seu sentido originário. O que aí fica é o resultado, confesso que um pouco apressado, desse exercício.</div>
<div style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 13px; font-weight: bold; line-height: 18.4799995422363px; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 13px; font-weight: bold; line-height: 18.4799995422363px; text-align: justify;">
1. Claro que reformado vem de reforma. A reforma que, em certos contextos, aparece mais imediatamente é a Reforma protestante. Aqui, porém, ela tem que ver com a situação de ir para a reforma e receber uma reforma, que é, em princípio, um quantitativo em dinheiro. Reformado é, pois, o que passou à reforma, por ter atingido uma certa idade e trabalhado um certo número de anos, com os respectivos descontos, ou porque ficou pura e simplesmente incapacitado para o trabalho. De modo estranho, reforma vem do latim reformare, com o significado de voltar à primeira forma, restabelecer, alterar, e reformado é o que torna à sua primeira forma, mas também o desfigurado, modificado.</div>
<div style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 13px; font-weight: bold; line-height: 18.4799995422363px; text-align: justify;">
<a href="https://www.blogger.com/null" name="more"></a><br /></div>
<div style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 13px; font-weight: bold; line-height: 18.4799995422363px; text-align: justify;">
Quem diria que pensionista tem na sua raiz o verbo latino pensar e (pensar e pesar)? De facto, pensar e, palavra vinculada a pendere, em latim, significa pesar, no sentido de comparar pesos. Daí, pensar significa pesar razões, para entender, julgar e decidir. No caso de pensão, lá está o facto de pesar uma mercadoria e ter de pagá-la e, daí, pensionista como aquele ou aquela que recebe uma pensão.</div>
<div style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 13px; font-weight: bold; line-height: 18.4799995422363px; text-align: justify;">
Entre nós, os bispos, ao chegarem aos 75 anos, tornam-se eméritos, palavra que também se pode aplicar, sobretudo noutros países europeus, aos professores universitários. Emeritusé o particípio do verbo latino emerere, merecer, ter cumprido um serviço, ganhar algo a partir daí. O emérito é merecedor de um determinado status (pense-se, por exemplo, no Papa emérito Bento XVI) ou recompensa por ter terminado ou concluído adequadamente o seu serviço. Na Roma Antiga, emeritus aplicava-se concretamente ao veterano retirado do exército, mas também a outros casos. De qualquer modo, deve-se recompensar o mérito; mas será que ele existe em todos os casos?</div>
<div style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 13px; font-weight: bold; line-height: 18.4799995422363px; text-align: justify;">
O aposentado remete para o verbo latino pausar e, que significa parar para descansar, pousar, repousar. O hóspede "pousa" na casa de um amigo. Quem peregrina pela vida tem direito a pousar, repousar, descansar, fazer pausa, aposentar-se, cessando o trabalho.</div>
<div style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 13px; font-weight: bold; line-height: 18.4799995422363px; text-align: justify;">
Nomeadamente os magistrados e os professores universitários são jubilados. A palavra vem do latim jubilare, que significa lançar gritos de alegria, - originariamente, referia-se aos gritos e silvos dos camponeses para comunicar entre si e chamar o gado -, mas também tem que ver com a palavra hebraica yobel, som da trombeta a anunciar o jubileu, festa judaica que se celebrava cada 50 anos e que trazia a libertação e o repouso inclusivamente às terras. No jubileu cristão, o Papa concede indulgências especiais. A jubilação nasce da conexão entre o retirar-se após o ciclo do trabalho realizado e dos serviços prestados e a consequente satisfação - dizem as más línguas que, por vezes, no caso dos professores, o júbilo é sobretudo dos estudantes, que se vêem libertos de alguém incompetente, porque sabe pouco ou não sabe ensinar.</div>
<div style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 13px; font-weight: bold; line-height: 18.4799995422363px; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 13px; font-weight: bold; line-height: 18.4799995422363px; text-align: justify;">
2. Apesar das diferenças nas categorias, nos títulos e sobretudo no quantitativo, por vezes miserável e escandalosamente diferente, da reforma, todos - pensionistas, eméritos, jubilados, aposentados-são sobretudo isso: reformados.</div>
<div style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 13px; font-weight: bold; line-height: 18.4799995422363px; text-align: justify;">
Claro, a reforma pode trazer alegria e o tal júbilo, porque se deixa de trabalhar com horários e todo o peso institucional e se pode repousar, fazer outras coisas que nunca se tinha podido fazer, ler, reflectir e recordar a vida e dedicar-se mais à família e aos amigos e recolher os frutos de uma vida preenchida. Mas ela pode também trazer o aumento dos achaques, uma solidão amarga e corrosiva, e, de qualquer modo, lembra a todos que se está na última fase da existência e que o futuro neste mundo será cada vez menos pujante. Decisivo é então esforçar- se por manter a actividade física, mental, social, criar a sedução por novos interesses e talvez dar a Deus o lugar que nunca teve. É preciso viver sempre intensamente cada instante do milagre exaltante do mundo e do existir.</div>
<div style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 13px; font-weight: bold; line-height: 18.4799995422363px; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 13px; font-weight: bold; line-height: 18.4799995422363px; text-align: justify;">
3. Mas é preciso reconhecer também que há algo de cínico e sarcástico na palavra jubilação (em Espanha, usa-se para todos) , sobretudo quando se pensa como são tratados os reformados, os tais que a sociedade abandona porque são velhos, e deixaram o trabalho por invalidez e velhice, considerados agora socialmente inúteis, porque não produtivos, e, por isso, colocados em depósitos à espera do fim.</div>
<div style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 13px; font-weight: bold; line-height: 18.4799995422363px; text-align: justify;">
Cá está: em tempos de crise, os governos, para a austeridade, têm sempre facilmente à mão os reformados, com este ou aquele nome, porque pouca ou nenhuma falta fazem - podem até ser considerados um peso para os outros e sobretudo para o erário público -, e, assim, nem protestar podem, muito menos com uma greve, porque ninguém precisa deles. Que júbilo!</div>
<div style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; line-height: 18.4799995422363px; text-align: justify;">
<span style="font-size: 13px; font-weight: bold;">*</span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; line-height: 18.4799995422363px;"><b><span style="font-size: xx-small;">Transcrição do</span> </b></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; line-height: 18.4799995422363px;"><b>DN</b></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: xx-small; line-height: 18.4799995422363px;"> <b>da crónica de </b></span><b style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-weight: bold; line-height: 18.4799995422363px;">Anselmo Borges</b><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: xx-small; font-weight: bold; line-height: 18.4799995422363px;">, publicada neste jornal no sábado passado, dia 22 de Novembro de 2014</span></div>
Marinho Borgeshttp://www.blogger.com/profile/08746023392154722492noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-2090584329370639962.post-33720667630194488282014-11-18T12:39:00.003+00:002014-11-19T12:37:28.351+00:00MORAL, VÍTIMAS E DEUS*<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #222222; font-family: arial, sans-serif; font-size: 13px; margin-bottom: 0.0001pt;">
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="http://2.bp.blogspot.com/-XmxvWrBP6KM/VGs9t_S1MmI/AAAAAAAAAY4/uOLdvomvA5k/s1600/Anselmo%2BBorges.JPG" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="http://2.bp.blogspot.com/-XmxvWrBP6KM/VGs9t_S1MmI/AAAAAAAAAY4/uOLdvomvA5k/s1600/Anselmo%2BBorges.JPG" height="200" width="112" /></a></div>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #222222; font-family: arial, sans-serif; font-size: 13px; margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div align="right" class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #222222; font-family: arial, sans-serif; font-size: 13px; margin-bottom: 0.0001pt; text-align: right;">
<b><span lang="EN-US" style="color: #e72619; font-family: Verdana; font-size: 13pt;">Vínculo inevitável </span></b><span lang="EN-US" style="color: #1a1a1a; font-family: Verdana; font-size: 13pt;"></span></div>
<div align="right" class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #222222; font-family: arial, sans-serif; font-size: 13px; margin-bottom: 0.0001pt; text-align: right;">
<b><span lang="EN-US" style="color: #e72619; font-family: Verdana; font-size: 13pt;">entre moral e religião </span></b><span lang="EN-US" style="color: #1a1a1a; font-family: Verdana; font-size: 13pt;"></span></div>
<div align="right" class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #222222; font-family: arial, sans-serif; font-size: 13px; margin-bottom: 0.0001pt; text-align: right;">
<b><span lang="EN-US" style="color: #e72619; font-family: Verdana; font-size: 13pt;">dá-se pela esperança, </span></b><span lang="EN-US" style="color: #1a1a1a; font-family: Verdana; font-size: 13pt;"></span></div>
<div align="right" class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #222222; font-family: arial, sans-serif; font-size: 13px; margin-bottom: 0.0001pt; text-align: right;">
<b><span lang="EN-US" style="color: #e72619; font-family: Verdana; font-size: 13pt;">sobretudo quando se pensa</span></b><span lang="EN-US" style="color: #1a1a1a; font-family: Verdana; font-size: 13pt;"></span></div>
<div align="right" class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #222222; font-family: arial, sans-serif; font-size: 13px; margin-bottom: 0.0001pt; text-align: right;">
<b><span lang="EN-US" style="color: #e72619; font-family: Verdana; font-size: 13pt;"> nas vítimas inocentes</span></b><span lang="EN-US" style="color: #1a1a1a; font-family: Verdana; font-size: 13pt;"></span></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #222222; font-family: arial, sans-serif; font-size: 13px; margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #222222; font-family: arial, sans-serif; font-size: 13px; margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<span lang="EN-US" style="color: #1a1a1a; font-family: "Verdana","sans-serif"; font-size: 13.0pt; mso-ansi-language: EN-US; mso-bidi-font-family: Verdana;">Após
conflitos e condenações, a Igreja reconheceu a legítima autonomia das realidades
terrestres, o que significa que, por exemplo, a ciência, a medicina, a
política, a economia se regem pelas suas própria leis, sem a tutela da
religião. Sobretudo quando se olha para o mundo islâmico, fica bem patente a
importância desta autonomia nomeadamente na política, exigindo a separação da
Igreja e do Estado.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<span lang="EN-US" style="color: #1a1a1a; font-family: "Verdana","sans-serif"; font-size: 13.0pt; mso-ansi-language: EN-US; mso-bidi-font-family: Verdana;">Também a
moral é autónoma. Aliás, na perspectiva cristã, autonomia e teonomia acabam por
coincidir, na medida em que, se Deus cria por amor, então a plena e adequada
realização humana, que deve constituir a norma e o critério da acção humana
boa, coincide com a vontade de Deus, cujo único interesse são as criaturas
totalmente realizadas: a vontade de Deus é o bem da criatura. De qualquer
modo, a exigência moral não surge do facto de se ser crente ou não, mas da
condição humana de querer ser pessoa autêntica e plena, o que significa que,
como escreveu A. Torres Queiruga, "desde que um e outro queiram ser
honestos, não existe nada que no nível moral um crente deva fazer e um ateu
não". Assim, só para dar um exemplo, a propósito da jovem Brittany
Maynard, que decidiu a sua morte por suicídio assistido no passado dia 1,
depois de os médicos lhe terem diagnosticado um cancro incurável no cérebro,
que lhe causaria uma morte dolorosíssima: mesmo do ponto de vista cristão, está-se
perante uma situação de decisão moral legítima, no quadro da autonomia, que,
aliás, como é sabido, o famoso teólogo Hans Küng reclama também para si, ao
colocar-se a mesma possibilidade próxima: "Precisamente porque creio na
vida eterna, posso, quando for o tempo, com responsabilidade, decidir sobre o
momento e o modo da minha morte." <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<span lang="EN-US" style="color: #1a1a1a; font-family: "Verdana","sans-serif"; font-size: 13.0pt; mso-ansi-language: EN-US; mso-bidi-font-family: Verdana;">O que aí
fica dito não quer dizer que não haja relações entre moral e religião. Isso
acontece, por exemplo, quando se procura aprofundar o fundamento incondicional
e definitivo da moral. Neste sentido, veja-se este texto de Sigmund Freud, numa
carta a um amigo: "Pergunto-me a mim mesmo porque aspirei sempre a
comportar-me com honra, a mostrar consideração e afecto para com os outros,
sempre que as circunstâncias o permitiram. Perguntei-me permanentemente o
porquê disto, mesmo depois de dar-me conta de que me prejudicava a mim mesmo e
de que choviam os golpes sobre mim, porque as pessoas são brutais e
traiçoeiras, e não fui capaz de dar uma resposta a mim mesmo, o que está longe
de ser razoável."<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<span lang="EN-US" style="color: #1a1a1a; font-family: "Verdana","sans-serif"; font-size: 13.0pt; mso-ansi-language: EN-US; mso-bidi-font-family: Verdana;">A Escola
Crítica de Frankfurt é particularmente sensível neste domínio. Assim, Max
Horkheimer disse: "Visto sob o aspecto meramente científico, o ódio não é
pior do que o amor, apesar de todas as diferenças sociofuncionais. Não existe
nenhuma argumentação lógica concludente pela qual não deva odiar, se, desse
modo, não me causo nenhuma desvantagem na vida social. Como pode fundamentar-se
com exactidão que não devo odiar, se isso me causa prazer? O positivismo não
encontra nenhuma instância transcendente aos homens que distinga entre
disponibilidade e afã de proveito, entre bondade e crueldade, avareza e entrega
de si mesmo. Também a lógica emudece: não reconhece primado algum à dimensão
moral. Todo o intento de fundamentar a moral em prudência terrena, em vez de
fazê-lo a partir do ponto de vista do Além - nem mesmo Kant resistiu sempre a
esta tendência -, baseia-se em ilusões harmonizadoras. Tudo o que tem relação
com a moral baseia-se, em última análise, na teologia."<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<span lang="EN-US" style="color: #1a1a1a; font-family: "Verdana","sans-serif"; font-size: 13.0pt; mso-ansi-language: EN-US; mso-bidi-font-family: Verdana;">Jürgen
Habermas, que vê na religião uma capacidade especial de mobilização moral:
"Certamente, a filosofia pode continuar a explicar ainda hoje o ponto de
vista moral a partir do qual imparcialmente julgamos algo como justo ou
injusto; portanto, a razão comunicativa não está de maneira nenhuma à mesma
distância da moralidade e da imoralidade. Mas coisa distinta é encontrar a
resposta motivante à questão de porque é que temos de ater-nos às nossas
convicções morais, de porque é que temos de ser morais. Neste aspecto, poderia
talvez dizer-se que é vão querer salvar um sentido incondicionado sem
Deus."<o:p></o:p></span></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<span lang="EN-US" style="color: #1a1a1a; font-family: "Verdana","sans-serif"; font-size: 13.0pt; mso-ansi-language: EN-US; mso-bidi-font-family: Verdana;">Vínculo
inevitável entre moral e religião dá-se pela esperança, sobretudo quando se
pensa nas vítimas inocentes. Aliás, Kant, teorizando sobre a autonomia da
moral, postulou Deus pela exigência da esperança. Nessa linha, Paul Ricoeur
falou "da carga da ética e da consolação da religião". Por isso,
segundo Walter Benjamin, não é possível pensar a história sem teologia. E,
neste contexto, Júrgen Habermas, referindo-se às vítimas inocentes e à dívida
da história para com elas, cita Jens Glebe-Mõller: "Se desejarmos manter a
solidariedade com todos os outros, incluindo os mortos, então temos de reclamar
uma realidade que esteja para lá do aqui e do agora e que possa vincular-nos também
para lá da nossa morte com aqueles que, apesar da sua inocência, foram
destruídos antes de nós. E a esta realidade a tradição cristã chama Deus."<o:p></o:p></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="background-color: white; color: #222222; font-family: arial, sans-serif; margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span lang="EN-US" style="color: #1a1a1a; font-family: Verdana;"><span style="color: #222222; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: medium; line-height: 18.4799995422363px;">*</span><span style="color: #222222; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; line-height: 18.4799995422363px;">Transcrição do </span><b style="color: #222222; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; line-height: 18.4799995422363px;">DN</b><span style="color: #222222; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; line-height: 18.4799995422363px;"> da crónica de </span><b style="color: #222222; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; line-height: 18.4799995422363px;">Anselmo Borges</b><span style="color: #222222; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; line-height: 18.4799995422363px;">, publicada neste jornal no sábado passado, dia 15 de Novembro de 2014</span></span></div>
Marinho Borgeshttp://www.blogger.com/profile/08746023392154722492noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-2090584329370639962.post-46680635247092331892014-11-10T12:05:00.002+00:002014-11-10T12:22:20.360+00:00HAWKING E FRANCISCO*<div style="background-color: white; color: #222222; line-height: 18.4799995422363px; text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; font-size: large;"><b>1</b>. Que disse o cientista inglês Stephen Hawking? "Antes de termos entendido a ciência, o lógico era crer que Deus criou o universo, mas agora a ciência oferece uma explicação mais convincente. Não há Deus. Sou ateu. A religião crê nos milagres, mas estes não são compatíveis com a ciência."</span></div>
<div style="background-color: white; color: #222222; line-height: 18.4799995422363px; text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; font-size: large;">Pensa que o homem acabará por entender a origem e a estrutura do universo. "De facto, já estamos perto de conseguir este objectivo. Na minha opinião, não há nenhum aspecto da realidade fora do alcance da mente humana." Por isso, julga que a exploração espacial deve continuar e os grandes avanços científicos e tecnológicos neste domínio poderão "evitar o desaparecimento da Humanidade, graças à colonização de outros planetas".</span><br />
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="background-color: white; color: #222222; line-height: 18.4799995422363px; text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; font-size: large;"><b>2.</b> O Papa Francisco veio afirmar que o Big Bang "não contradiz a intervenção criadora divina; pelo contrário, exige-a", desacreditando assim completamente os "criacionistas" e a sua leitura literal da Bíblia.</span></div>
<div style="background-color: white; color: #222222; line-height: 18.4799995422363px; text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; font-size: large;">Duas declarações fundamentais. Por um lado, não há incompatibilidade entre o Big Bang e a fé no Deus criador, a evolução da natureza não contradiz a ideia de criação. Por outro lado, Francisco desfez a ideia infantil de um Deus mágico ou feiticeiro. Deus, que dá o ser a todos os seres, respeita a autonomia das criaturas, nomeadamente a autonomia do ser humano.</span></div>
<div style="background-color: white; color: #222222; line-height: 18.4799995422363px; text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; font-size: large;">Textualmente: "Quando lemos no livro do Génesis o relato da criação, julgamos imaginar que Deus é um mago que com uma varinha mágica fez todas as coisas. Mas não é assim. Ele criou os seres e deixou-os desenvolver-se segundo as leis internas que deu a cada um, para que alcançassem o seu próprio desenvolvimento. Deu a autonomia aos seres do universo ao mesmo tempo que lhes assegurava a sua presença contínua, dando o ser a toda a realidade. E assim a criação prosseguiu a sua marcha por séculos e séculos, milénios e milénios, até transformar-se no que hoje conhecemos; precisamente porque Deus não é um mago mas o Criador que dá o ser a todas as coisas. O início do mundo não é obra do caos que deve a outro a sua origem, mas deriva directamente de um Princípio supremo que cria por amor. O Big Bang, que hoje se situa na origem do mundo, não contradiz a intervenção de um Criador divino; pelo contrário, exige-a. A evolução da natureza não se opõe à noção de criação, porque a evolução pressupõe a criação dos seres que evoluem".</span></div>
<div style="background-color: white; color: #222222; line-height: 18.4799995422363px; text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; font-size: large;">O ser humano, que constitui na história da evolução "uma mudança e uma novidade", tem "uma autonomia diferente da da natureza": chama-se liberdade. Participando do poder de Deus, é sua missão investigar a natureza e as suas potencialidades, co</span><span style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif; font-size: large; line-height: 18.4799995422363px;">locá-las com responsabilidade ao serviço da humanidade, salvaguardar a criação e "construir um mundo humano para todos os seres humanos e não para um grupo ou classe de pessoas privilegiadas".</span></div>
<div style="background-color: white; color: #222222; line-height: 18.4799995422363px; text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="background-color: white; color: #222222; line-height: 18.4799995422363px; text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; font-size: large;"><b>3.</b> Aí estão duas tomadas de posição frente ao enigma do universo, mais concretamente, do enigma da existência humana. Elas contrapõem-se, mas nem uma nem outra assenta na ciência. De facto, com argumentos científicos, não se chega a Deus, mas também não se demonstra o ateísmo. Deus não é objecto de saber científico. A ciência não sabe se Deus existe ou não existe. Quem afirma que Deus existe fá-lo baseado na fé, com razões. Quem afirma que Deus não existe fá- -lo também num acto de crença, com razões. Há razões para acreditar em Deus e razões para não acreditar.</span></div>
<div style="background-color: white; color: #222222; line-height: 18.4799995422363px; text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; font-size: large;">Segundo as exigências do seu próprio método, a ciência não pode pronunciar-se sobre as grandes questões metafísicas. Mas, na presente situação do conhecimento científico, são os próprios resultados da ciência que desembocam num universo enigmático, aberto a um fundo último, misterioso, deixando o ser humano numa profunda incerteza metafísica, como escreve o neurólogo e filósofo Javier Monserrat. Quando se pergunta pelo fundamento último, o homem fica aberto a duas hipóteses metafísicas, não sabendo com certeza se se trata de um puro mundo sem Deus ou se o universo se fundamenta em Deus.</span></div>
<div style="background-color: white; color: #222222; line-height: 18.4799995422363px; text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; font-size: large;">A imagem que a ciência segundo o modelo-padrão nos dá é a de um universo que se produz a partir do Big Bang e terminará numa morte energética, portanto, um universo finito e, assim, "um universo que nasce a partir de um 'fundo' desconhecido no qual ficará reabsorvido". A pergunta que então se coloca é como entender esse fundo ou "mar de energia", essa espécie de meta-realidade a que o universo está referido. O ateísmo poderia ser uma conjectura metafísica filosoficamente possível: "O metafísico seria uma realidade impessoal na qual se produziria de modo cego o nosso universo." Mas o teísmo é uma conjectura metafísica igualmente possível: "O metafísico poderia ser uma Inteligência Pessoal capaz de criar o universo."</span></div>
<div style="background-color: white; color: #222222; line-height: 18.4799995422363px; text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: large;">*Transcrição do <b>DN</b> da crónica de <b>Anselmo Borges</b>, publicada neste jornal no sábado passado, dia 8 de Novembro de 2014</span></div>
Marinho Borgeshttp://www.blogger.com/profile/08746023392154722492noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-2090584329370639962.post-35378062994101969172014-05-25T19:32:00.000+01:002014-05-25T19:32:05.761+01:00CÁRQUERE/Igreja de Nossa Senhora*<div style="text-align: justify;">
Parecem poucos os mais de 70 anos vividos por Afonso para tanto que realizou. Alexandre Herculano diz que sem esse príncipe "não existiria hoje a nação portuguesa e, porventura, nem sequer o nome de Portugal". Com muita fé, inteligência, destreza política, valentia, talento militar, ilimitada capacidade de risco-sem dúvida, mas também com um poder físico invulgar a que não dava repouso, combatendo, dormindo e comendo quando e onde calhava.</div>
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Pois este assombroso atleta nasceu e viveu os primeiros cinco anos tolhido das pernas.</div>
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Seu grande educador, Egas Moniz, perante esta debilidade do infante, sofreria tanto como os condes portucalenses, pais de Afono Henriques, e rezava por ele a Nossa Senhora.</div>
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Dividem-se as narrativas tradicionais. Segundo algumas, teria aparecido numa cavidade de velho carvalho uma imagem da Virgem Maria que logo ganharia fama de milagrosa e a ela dedicaria Egas Moniz uma igreja em Cárquere; outras dizem ter sido revelado em sonhos a Egas Moniz que mandasse escavar .em certo lugar e encontraria ruínas de antiquíssima igreja e uma imagem da Virgem. </div>
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De uma ou de outra forma, Egas Moniz-proprietário da quinta de Resende e mais tarde senhor do couto destas terras por doação do nosso primeiro rei-mandou levantar sobre ruínas, que nem saberia de quando datavam, uma igreja para serviço dos cristãos e digna protecção da imagem encontrada, e sobre o seu altar colocou o pequeno infante, passando o nobre cavaleiro aquela noite em vigília frente ao altar. O menino curou-se e fez-se o homem que se viu.</div>
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Assim explicam as velhas crónicas o motivo da edificação da Igreja de Nossa Senhora de Cárquere; o povo repete-o há oito séculos e até hoje nenhuma prova em contrário se conhece.</div>
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O Morro das Procissões contém incalculável riqueza arqueológica, de onde saiu já volumoso espólio de lápides para museus de Lisboa, Porto e Guimarães.</div>
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O castro céltico que era Cárquere tornou-se depois importante povoação romana, mas quanto a provável existência pré-céltica nada se sabe, por enquanto.</div>
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Aventaram-se hipóteses acerca da igreja arruinada sobre a qual Egas Moniz edificou a de Nossa Senhora-teria sido templo pagão romano, talvez dedicado a Diana, depois suevo e visigodo, convertido mais tarde em mesquita muçulmana derrubada na Reconquista.</div>
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Referem ainda outras antigas vozes populares que o último rei visigodo, D. Rodrigo, não teria sido morto pelos Sarracenos na decisiva Batalha de Guadelete (711), mas fugira para o Ocidente e continuara lutando contra os invasores até morrer em Viseu, e que na fuga enterrara num destes cabeços um cofre cheio de preciosas relíquias, uma cruz e uns sinos.</div>
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À igreja de Cárquere, fundada quando D. Afonso Henriques era menino, acrescentou-se, perto de 20 anos depois, um pequeno convento que foi entregue aos Cónegos Regrantes de Santo Agostinho-para alguns autores a primeira comunidade do cenóbio era de monges negros, beneditinos.</div>
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A igreja situa-se num avançado cabeço da serra de Montemuro, verdadeiro maciço de grandes montes e soberbos vales que procuram o Douro e o Paiva.</div>
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Recuperava-se o povoado de Cárquere graças à igreja e ao pequeno mosteiro onde a vida correria tranquila neste lugar de acesso então algo trabalhoso, mas muito propício à meditação. Porém, talvez do isolamento, começou a comunidade dos "Crúzios" a deixar-se acomodar e a desleixar as exigências da regra, mesmo depois de D. João III entregar o cenóbio aos Cónegos de Santa Cruz de Coimbra.</div>
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No entanto, o Mosteiro de Cárquere, embora mantendo-se de cónegos regrantes, não se integrou na Congregação de Santa Cruz, à qual aderira a maior parte dos mosteiros agostinianos após a reforma da segunda metade do século XVI.</div>
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Pouco tardou nessa situação de certo desapego, pois o Papa Gregório XIII ordenou a extinção da comunidade de Cárquere, entregando-a à Companhia de Jesus, e as suas rendas ao Colégio que a mesma ordem edificara em Coimbra.</div>
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Os Jesuítas deram nova vida ao mosteiro instalando nele um hospício onde prestavam assistência aos moradores de Cárquere e recolhiam, tratavam e alimentavam gente pobre.</div>
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Após a expulsão dos Jesuítas em 1759, o Marquês de Pombal entregou o mosteiro e o padroado da igreja à Universidade de Coimbra. A partir daí, vazio e desprezado-só não abandonada a cobrança das rendas-, o mosteiro entrou em progressiva ruína.</div>
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Passou a igreja a pertencer ao padroado real do concelho de Resende e conservou-se como sede da paróquia de Santa Maria de Cárquere.</div>
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Classificada como monumento nacional e devidamente restaurada, a igreja conserva parte do seu carácter primitivo, românico do século XII. </div>
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Na bela torre sineira, quadrangular, erguida no século XIII, junto à cabeceira, abrem-se janelas geminadas nas suas faces e o eirado constitui privilegiado miradouro das deslumbrantes panorâmicas de grandeza, formas e cores inolvidáveis.</div>
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Nos fins do século XIII ou princípios do XIV realizaram-se obras de vulto. A elas se deve a capela-mor, com abóbada de bem lançadas e executadas nervuras.</div>
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Mais tarde, no primeiro terço do século XVI, remodelou-se a nave-talvez por degradação do estado da primitiva-obras que lhe imprimiram o cunho manuelino que conserva.</div>
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O espaço interior, harmoniosamente proporcionado, envolve-nos num ambiente de austera religiosidade para o qual contribui a cor e a simplicidade da silharia.</div>
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As obras manuelinas vieram acrescentar elementos de elaborado decorativismo sem, no entanto, perturbar o sabor monástico; a elas se refere, com demonstração da beleza plástica da arte manuelina, Aarão de Lacerda: "...os arcos das portas, os do cruzeiro e do coro e a cachorrada da cornija".</div>
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Mas duas encantadoras peças escultórias enriquecem particularmente a valia estética da igreja. Uma delas mede pouco mais de um palmo de altura, delicado marfim que representa Nossa Senhora de Cárquere. A outra, de Nossa Senhora-a-Branca, foi esculpida no século XIV em calcário de Ançã.</div>
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Integrada no núcleo mais antigo da igreja, a capela dos senhores de Resende contém vários sepulcos de pessoas da nobre família.</div>
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As casa que restam do antigo mosteiro, restauradas, completam aprazível e belo conjunto arquitectónico.</div>
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*Texto transcrito d' "<b>As mais belas igrejas de Portuga</b>l", vol. II, de <i>Júlio Gil e Nuno Calvet</i>, colecção Património, Editorial Verbo.</div>
Marinho Borgeshttp://www.blogger.com/profile/08746023392154722492noreply@blogger.com