Como é que ganhamos cada vez mais tempo e todos se queixam de terem cada
vez menos tempo? Recentemente, a revista DerSpiegel dedicou um
interessante estudo precisamente a este paradoxo, e é nele que me
inspiro.
Claro que nos tempos que correm se poupa imenso tempo. Por exemplo,
desde o século XIX, foram tiradas, em média, duas horas ao tempo do
sono. Dada a velocidade crescente dos meios de transporte, deslocamo-nos
mais rapidamente. Poupa-se tempo na criação de animais. Poupa-se tempo
na aprendizagem. Também na comida, que já se compra feita, e nos
encontros, que se dão cada vez mais através das novas tecnologias, e,
mesmo aí, por abreviaturas na escrita (por exemplo, K (que), PF (por
favor). Espantosa a diminuição do tempo de trabalho: o que são as
actuais 35 ou 40 horas teoricamente dedicadas ao trabalho por semana
comparadas com as 57 a mourejar, há cem anos, e 82, em 1825? Até para a
morte já se pensa, para poupar tempo, em serviços de funeral a
acompanhar pela internet.
No entanto, há sempre imensas coisas que ficam e que estão aí ainda para
fazer, e é preciso apressar-se cada vez mais. Mais rápido! Mais
depressa! E é levantar à pressa, ver e enviar e-mails ainda antes do
pequeno-almoço, acordar os filhos e prepará-los para a escola,
pequeno-almoço, mais e-mails, telefonemas enquanto se conduz, no
gabinete, imediatamente para a net, ler a imprensa, trabalho, almoço em
pé, estar permanentemente acessível pelo telemóvel e, de tarde, a mesma
coisa, regressar a casa, televisão e as notícias, deitar, esgotados... E
cada vez menos tempo para si e para a família. E as pessoas a
queixarem-se: segundo o Instituto Forsa, 59% dos alemães apresentaram,
entre os propósitos para 2013, "evitar e baixar o stress"; metade dos
entrevistados desejava "mais tempo" para os amigos e a família. De
facto, o stress parece ser "a situação constante".
O que é que se passou? Será que o progresso científico facilitou
realmente o dia-a-dia? O sociólogo Hartmut Rosa tem as suas dúvidas e,
para não citar o imenso tempo de espera nas filas de trânsito, dá o
exemplo da comunicação digital: claro que um e-mail é mais rápido do que
uma carta tradicional, mas "penso que entretanto você lê e escreve 40,
50 ou 70 e-mails por dia. Por isso, precisa de muito mais tempo para a
comunicação do que antes da internet". E é evidente que também se viaja
infinitamente mais e há muito mais ofertas e solicitações em tudo. De
qualquer modo, "temos uma ditadura da economia que se impôs em todos os
domínios da vida", escreve M. Liebmann, e, segundo K. Geissler, "o Homem
permite-se cada vez menos pausas. Assim, a privação de pausas é uma
forma de tortura." Outro motivo para a pressa e a aceleração
encontrar-se-ia, segundo Rosa, na secularização da sociedade ocidental.
Uma vez que cada vez menos se acredita na vida para lá da morte, já não
faz sentido fazer melhor na outra vida, a vida eterna; então, o homem
moderno pensa que tem de fazer tudo o que quer em 70, 80, 90 anos,
tornando-se a aceleração o "substituto da eternidade".
Antes, talvez as coisas fossem mais agradáveis. Hoje, é preciso andar
sempre mais depressa, de tal modo que já não se consegue ter algum
sossego. Veja-se estas duas experiências. Cientistas da Universidade da
Virgínia levaram pessoas de todas as idades para um espaço agradável e
pediram que ficassem durante cinco a 15 minutos sentadas e entretidas
com os seus pensamentos; a maioria reagiu com sinais visíveis de
mal-estar. Noutra investigação, havia a possibilidade de durante os 15
minutos de tranquilidade darem a si mesmas um pequeno choque eléctrico.
Resultado: dois terços dos homens e um quarto das mulheres preferiram
dar a si mesmos pelo menos uma vez um choque a ficar simplesmente
sentados e quietos. Um homem deu a si próprio 190 choques.
Neste contexto, cai-se no perigo, como preveniu o famoso bispo do Porto,
D. António Ferreira Gomes, da "agitação paralisante e da paralisia
agitante". E quando é que se pensa e se vai ao essencial em todos os
domínios? Perdido o ócio, só resta a sua negação, isto é, o negócio.
Quantos se recordam de que a palavra escola vem do grego scholê, que
significa precisamente ócio? Não o ócio da preguiça, mas o ócio da
liberdade, para pensar, que, por sua vez, vem de pensar e, pesar razões
para as boas e grandes decisões, também na política. "A política precisa
de mais momentos de desaceleração e de reflexão para debruçar-se sobre
decisões fundamentais", disse Andreas Vosskuhle, presidente do Tribunal
Constitucional da Alemanha. E o antigo vice-chanceler Franz Müntefering:
"Quando um Parlamento já não tiver tempo para discutir, consultar,
reflectir e então decidir, vencerão os sistemas autocráticos, que não
respeitam ninguém."
Mais uma vez, o sociólogo e filósofo Hartmut Rosa: "A questão não é que
velocidade atingimos, mas em que medida ela é boa para uma vida boa."
Afinal, quando vivemos de verdade?
*Transcrição do DN da crónica de Anselmo Borges, publicada neste jornal no sábado passado, dia 10 de Janeiro de 2015