P.e Eugénio César d’Azevedo, da
freguesia de Paus, concelho de Resende, abade mercenário de Barrô, e capelão do
Senhor do Calvário, tendo feito a minha primeira confissão em 15 de Maio do ano
corrente, em que me acusei de que fui um filho feroz para com meu pai, um
péssimo irmão, um ingrato para com os meus amigos e benfeitores, um Sansão na
prostituição, um juramenteiro falso, um escarnecedor da virtude, um apologista
do vício, um semeador de doutrinas heterodoxas, etc., o que tudo fui, passando
agora a fazer a segunda, que ainda não é completa, confesso primeiramente que
fui, sou e hei-de ser, até depois da minha morte, ladrão e um grande ladrão.
Fui 22 anos pároco em Paus, terra
que me deu o berço, e aqui, de pastor de almas que devia ser, tornei-me em lobo
de redil. Deixei de fazer muitos e muitos assentos de baptismos, casamentos e
óbitos. Todo o homem carece de provar o seu baptismo, não só uma, mas muitas
vezes. Os jovens não podem casar sem provarem que foram baptizados, porque o
baptismo est janua sacramentorum. Um
filho para haver uma herança de seus pais, avós, ou de qualquer consanguíneo;
um irmão para se habilitar a herdeiro doutro irmão; este para conseguir um
emprego; aquele para embarcar; um para se ordenar; outro para se livrar de
jurado; enfim, todos têm necessidade de justificar seu baptismo.
Ora, deixando eu de fazer muitos
assentos desta natureza, e importando cada justificação em 4.500 réis, quantas
libras não roubei eu às outrora minhas ovelhas? Se estas justificações têm sido
precisas, e se se fizeram no tempo pretérito, se o são agora e o hão-de ser no
futuro, não fui, não sou e não serei depois da minha morte ladrão?
E, se da falta de assentos de
baptismo, resultam tantos inconvenientes e gravame de despesas, que danos se
não seguem da falta dos de casamento?
Se um consorte aborrecido do
outro, quiser separar-se dele, alegando que não está catolicamente casado, como
poderá o consorte inocente provar o seu matrimónio, não havendo o respectivo
assento no livro de registo, tendo falecido o pároco que lhes assistiu e as
duas testemunhas? Os filhos de um tal matrimónio serão considerados como filhos
naturais, e os parentes ascendentes ou laterais de seus pais disputar-lhes-ão a
herança a que têm a tanto direito. E não serão somente estas as consequências,
dar-se-ão outras, tanto e mais lamentáveis…
Se parece que os assentos de
óbitos não são de suma importância, é uma ilusão. Os certificados de óbito são
para diversos fins indispensáveis.
Ora, deixando eu de fazer muitos
assentos destas três espécies, não sou ladrão? Faria meus os proventos que
percebi? Não roubei, portanto, as minhas ovelhas de Paus?
*Transcrição do manuscrito "O abbade de Barrô e sua segunda confissão", datado de 25 de Novembro de 1889, procedendo-se apenas à actualização gráfica e a pequenas alterações, designadamente sinais de pontuação.