Mandei dar umas pedradas por um
meu afilhado no Assenso do Fornelo. Este homem escapou, porque lhe valeram as
pernas.
Confesso também que roubei José
Ribeiro de Amorim, do Vale. Tinha este um prédio rústico, chamado Cabreira com
sua casa no meio, onde recolhia lenha. Sabia eu onde ele escondia a chave, e
para fazer os meus magustos com uns pândegos como eu, roubava-lhe a lenha. Isto
é ser ladrão.
O que, porém, me magoa mais nesta hora é uma negra
ingratidão que pratiquei para com o pobre serrano do Vale. Este homem possuía,
no dito Vale, um prédio rústico fertilíssimo e de bom gosto. Ambicionei este
terreno, e por isso falei-lhe para mo vender, e para o mover a vender-mo,
prometi-lhe nunca lho tirar e de o conservar como caseiro enquanto ele vivesse.
O pobre achava-se endividado. Caiu em
logro por dois motivos: alentava a
lisonjeira esperança de fabricar o prédio de meias enquanto fosse vivo; e
fiava-se em mim, porque não me conhecia.
Por estas razões, vendeu-me o campo. O preço fi-lo eu; pilhei-lho por
metade do que valia, e este meio preço paguei-lho às fornadas de milho e às
meias moedas, que colhia de sermões. Mal pago o campo e havido o título,
expulsei-o do prédio. De pobre que já era, reduzi-o a um pobre mais pobre; e não só o expulsei do campo, mas até o
degradei com três filhas de Portugal com um juramento falso que dei contra eles
no tribunal de Resende. Coitado! Teve de mudar-se com as filhas para a África,
onde lhe cavei a sepultura!! Ó pobre serrano, quando te viste nas costas da
África debaixo desse sol abrasador, mormente quando te viste a braços com a cruel e desumana parca. E ali aberta a negra cova, que te havia de
recolher, dizias: ali está a medalha que o Abade de Barrô me deu pela honra das
minhas filhas, ali está o preço das minhas terras, que me comprou e não pagou.
E vós, ó tristes serranos a quem
eu, como ministro do Senhor, devia dirigir pela carreira da virtude e a
quem, como cavalo sem freio, desencaminhei e perverti, perdoai-me o meu brutal
procedimento e os meus crimes para convosco, para que não sejam a minha morada
as catacumbas do inferno.
Desventuradas mulheres, cá, à
distância de inúmeros quilómetros, vou falar convosco, em tempos minhas amigas.
Segundo as acertadas medidas da Divina Providência, é muito raro encontrar-se
um ente que tenha a propensão para todas as artes essenciais. Eu, infelizmente,
sou sábio na opinião dos que não sabem avaliar-me: passo por um filósofo, e não
sou mais que um ímpio; por um retórico, mas sem regra; teólogo no erro;
canonista na vaidade; moralista no desconcerto, na mentira, na intriga, na
murmuração e na calúnia; um mestre. E tal é a arte para que nasci.
Para ostentar sabedoria a quem me
não conhecia, asseverava que lera isto
ou aquilo neste ou naquele livro sem o ter nem comprar nas livrarias. Ensinava
o que a minha razão desvairada me ditava, embriagando-me na mentira para que
tenho engenho e arte.