-1 -Do Santo Cura d´Ars, exemplo grande de humildade e santidade, escreveu o papa, Bento XVI - «com exemplar obediência ficou sempre no seu lugar porque o consumia a salvação das almas», santo este que dizia «para mim sacerdócio é amar a Jesus».
Estas duas frases fazem-me pensar que é uma feliz coincidência a celebração do ano sacerdotal em honra do santo Cura d´Ars, o Pe João Maria Vianey, conter no seu âmbito temporal o centenário do nascimento de Monsenhor Carlos Alberto Pinto Resende, homem e sacerdote exemplar para quem a obediência foi bandeira que sempre assumiu e para quem o sacerdócio foi também amar a Deus e os que lhe estavam entregues.
Filho ilustre da nossa terra, Carlos Resende, Monsenhor de título, Reitor de função e homem de actos e vida, dedicou aos alunos, ao seminário, à diocese e a Deus a sua vida.
Sem ruído, sem barulho, sem ostentação e sem vaidade, honrou e dignificou a sua terra, o seu povo, a sua família, o seminário e seus alunos.
Homem bom nos seus actos, recto nas intenções, edificante na apresentação, elevado na intenção, despido de maldade e intenções secundárias, vendia gratuitamente do seu rosto e oferecia em abundância espontânea um sorriso que irradiava serenidade, bem-estar e bondade.
A celebração e homenagem que hoje aqui fazemos é um dever imperioso de seus antigos alunos consubstanciados à volta da sigla ASEL que em boa e justa verdade não podiam deixar passar a data centenária do seu nascimento sem de modo singelo mas vivo e expressivo dizer aos presentes (e para memória futura aos vindouros) que é nosso dever enaltecer os actos e acontecimentos, os nomes e as pessoas que nos antecederam no tempo e marcaram o passado com exemplo profundo de valor futuro, guardando e resguardando deste modo a herança moral dos antepassados.
Esta homenagem é, além do mais, o grito afirmativo de que homenagear o passado é semear, fertilizar e defender sementes de futuro.
Ai do povo, país, ou instituições que desprezam os valores do seu passado e menorizem as virtudes e valores dele recebidas.
E o passado é feito de homens, pelos homens e para os homens, isto é, o passado é memória para se recordar e viver no futuro, na hora exacta em que o futuro começa a deixar de o ser.
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Não sou a pessoa mais indicada para falar do valor, das virtudes, do projecto, da alma, da sabedoria ou da santidade do nosso homenageado; a minha incumbência é de vos deixar um testemunho singelo de antigo aluno que ao fim de 11 anos, mudou de rumo e enfrentou novas realidades.
Eu queria, antes de iniciar, regozijar-me por ver aqui, entre nós:
- a diocese no seu melhor espírito;
- os seminários de Lamego e Resende na sua mais alta e expressiva representatividade;
- a autarquia e o poder local , na sua melhor expressão, autoridade e importância.
Se eu pudesse avisar Mons Carlos Resende que estamos aqui reunidos na sua terra…ou se ele pudesse fazer-nos um sinal lá do alto onde se encontra, como sorriria abertamente e à sua maneira ao ver à sua volta:
-um bispo,-Snr D.Jacinto Botelho- que foi seu aluno e colega de formação no seminário;
-outro bispo,-Snr. D.António Francisco-que foi seu aluno e esperança querida dos seus olhos;
-outro bispo também, Snr. D.António Rafael, emérito de Bragança/Miranda, seu antigo aluno e colega de ensino.
-um leigo e antigo aluno, a falar das suas virtudes e valores;
-outro leigo e aluno notável, a gerir os sons e melodiosos acordes musicais em sua honra e louvor;
-tantos outros (dele queridos),antigos alunos, sacerdotes ou leigos que aqui significam toda a juventude que passou pelas suas mãos debaixo dos seus olhares;
-os seus virtuais pupilos e actuais alunos do nosso Seminário;
-os seus familiares queridos que em acto colectivo acorreram hoje a saudá-lo de modo mais aberto e expressivo;
-os cinfanenses, filhos da sua e nossa terra que em reconhecimento devido se associaram a esta iniciativa tão justa como oportuna.
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Era mais agradável para mim deixar o coração falar e a alma exprimir-se ao sabor do sentimento real e verdadeiro, em devaneios de considerações e deduções mas vamos ao que fui incumbido, a factos, realidades e referências através das quais objectivamente se possa deduzir e em parte entender a essência e a causa desta homenagem centenária.
2-Quem era Mons Carlos Carlos Resende do meu tempo?
Era só o venerável reitor, nobre de aspecto, respeitável de apresentação, bondoso de gestos, afável de convívio, ou superior por função?
Assim muitos o viram, assim muitos o entenderam, assim muitos o respeitaram.
De simplicidade linear, envolvia dentro de si uma sabedoria que atraía e uma respeitabilidade que encantava. Deixava a disciplina viva aos seus pares na formação e enchia o seminário com a imagem alta da sua função.
Sem vara nem bastão, sem ferrete nem humilhação, sem opróbrio nem grosseria, deixou um rasto de mensagem que marcou passos, entusiasmou destinos e sedimentou futuros.
As fronteiras deste testemunho têm o limite das minhas limitações e o âmbito da minha experiência. Fica portanto de fora toda a riqueza anterior à minha vivência no seminário, toda a acção posterior à minha saída e toda a mensagem da qual não possuía dados em memória nem documentos ao meu alcance.
Vejamos um pouco do que existe e leiam, (estimados amigos), aquilo que eu não consegui escrever para vos ler, porque a sua valia e virtude vão além, muito além do que eu disse ou vou dizer.
Do homem de quem vos falo:
-a quem nunca ninguém viu uma nódoa na batina, uma engelha na sobrepeliz, um sapato menos limpo, a barba por fazer ou cabelo em desalinho;
-a quem nunca ninguém ouviu uma ofensa, uma repreensão ou censura indevida;
-a quem nenhum antigo aluno refere como injusto, inoportuno ou excessivo, a não ser na bondade e compreensão
;…deste homem eu vou referir alguns passos da sua pedagogia e acção sempre dados e feitos a coberto de uma simplicidade e bondade que enchiam espaços e resultavam em frutos.
Deste homem, reitor, mestre e professor, eu, simples aluno, distante do seu melhor círculo de proximidade, tenho em meu poder fotografias que historiam e descrevem a sua estratégia de relação:
-a dar o ponta pé na bola,com os jogadores no campo dos Remédios-(junto dos seus);
-sentado no meio na nossa banda a ouvir atentamente os sons saídos dos nossos instrumentos - (no meio dos seus);
-nas ordenações sacerdotais a apoiar o futuro -(ao lado dos seus);
-nas missas novas a beijar as mãos dos novos sacerdotes -( a acompanhar os seus);
-no meio da sua equipa formativa com os finalistas do ano-(a dar garantia aos seus);
-no comando de todos os alunos na escadaria do seminário,-(a sorrir com os seus);
-em cortejo musical no meio da nossa banda,- (a conviver com os seus );
-no campo de jogos a ver os alunos na disputa da vitória-(a bater palmas com os seus);
…Sempre nos seus e com os seus, e sempre com o mesmo sorriso contido na forma espontânea de quem está bem e se sente bem onde está e com quem está.
-3- Deste homem que falava mais com o que fazia do que com o que dizia, eu tenho escrito, nós temos citações, mensagens e afirmações que escritas e parte delas guardadas agora na Antologia Estrela Polar continuam pelos tempos fora a nortear quem as quiser ler, ouvir e seguir.
E eu vou referir algumas para que todos nos apercebamos da mensagem expressa, ou do espírito intencional existente em cada um dos escritos.
-Em 1951, no lançamento da Estrela Polar, acto grande e momento alto da nossa vida estudantil, escrevia à guisa de editorial ou mensagem:
«jovens rapazes, que ousais entregar-vos às lides da imprensa, felicito-vos com toda a sinceridade (…) não esmoreçais, erguendo e projectando mais longe a luz da Estrela que há-de rasgar horizontes e iluminar inteligências».
-Em 1952, numa despedida de 4 alunos que se ordenaram e iam para a vinha do Senhor, escrevia no nº 7 do nosso jornal:
«ides partir, e partir significa sentir saudade da casa que se deixou, e daqueles com quem se vive (…) que esse sentimento jamais se extinga, (…)amai sempre o seminário que é também vosso e atraí a ele a simpatia, o afecto, a compreensão e os benefícios dos nossos fiés».
Nos anos seguintes e no mês de Dezembro, lá o encontramos no jornal escrito em boa letra de forma, com frases de vida e marcas de futuro afirmando e afirmando-se:
-No 1º aniversário, ainda em 1952 -«faz 1 ano o querido jornal, ele é o ambão onde os mestres da verdade ensaiam as 1ªs lições».
-Ou então ainda no ano seguinte, em 1953:
-«a arte de bem escrever, a cumplicidade e a elegância não se improvisam».
-Algum tempo depois incentiva os seus alunos, dizendo -«eu rendo a minha homenagem àqueles que acolhem o nosso jornal e lhe facilitam ambiente e simpatia ou prestam o auxílio necessário».
-Ao 10º ano, em 1961, afirma -«faz 10 anos (…) deveis deixar aos vindouros este facho de luz, ou não lhe désseis o nome de estrela (…) ide em frente, norteados por um nobre ideal e na ânsia de sempre mais e melhor».
-E depois (ainda e também) em 1967 -«que esta Estrela não veja ocaso, mas continue sempre na rota de espargir luz e que a abundância das bênçãos do Senhor desça sobre todos os que a dirigem, são votos do vosso amigo neste 16º aniversário da Estrela Polar».
-E nas bodas de ouro sacerdotais dos Snr. D. João da Silva Campos Neves, em Maio de 1962, deixa um sinal de vida, ainda hoje e sempre actual, que deve orientar pela vida os jovens alunos em formação ou os sacerdotes em acção operando na vinha do Senhor : -« entre os sentimentos que devem encher a alma dos seminaristas e incendiar a sua vida está a devoção, o afecto e a submissão ao seu bispo.»
Frases, pensamentos, mensagens, orientações, ânimo e estímulo, era este o posicionamento do nosso Reitor, dando força e vida à vocação sem que ninguém quase desse conta donde soprava esse ar de estabilidade, firmeza e acção.
…Assim falava e falou por escrito o homem, o mestre, o Reitor!
-4- e que dizem ou diziam os alunos que ele era?
Que pensavam os alunos a seu respeito?
Que escreviam e escreveram esses jovens alunos sobre o seu Reitor ao longo desses anos?
Eu vou citar extractos do nosso jornal, acerca do homem que todos os anos festejava no dia 12 de Fevereiro o seu dia aniversário.
-Ao saber da sua nomeação para Reitor, assim falou a Estrela Polar pela voz e pena dos seus alunos:
-«Em Outubro de 1954 foi elevado ao cargo de Reitor do nosso seminário o Snr. Cónego Dr. Carlos Alberto Resende.
Bem merece esta distinção.
Regozijamo-nos com esta decisão ».
-Em diferentes datas e na rubrica mensal -Entre Nós ,do nosso jornal encontramos: o nosso reconhecimento, a sua preocupação, o nosso regozijo, a sua referência e o marco futuro.
-Em 1955, o reconhecimento de que -«é justo que rendamos homenagem a quem a merece, e a festa do dia 12 foi homenagem merecida por quem há tantos anos serve o seminário, gastando nele as melhores energias».
-Em 1958 a sua preocupação « para que nada falte aos seus seminaristas».
-Em 1959 o seu regozijo, escrevendo -«a 12 de Fevereiro o nosso seminário vestiu-se de gala,(...) num imperativo do nosso reconhecimento».
E nessa envolvência vivida há um aluno, hoje aqui presente, o nosso Maestro Pereira Pinto, que no remate de uma espontânea e belíssima poesia que escreveu, declamou, (e da qual só encontrei os 3 versos finais), dizia:
«Oh Deus, que não seja em vão
Que se dá de coração,
O Snr Reitor, a vós somente».
-Em 1962 é reconhecido como referência, porque: -«há longos anos que o dia 12 de Fevereiro é um marco referencial na vida do nosso seminário».
-Em 1963, elegem a data como ícone de agradecimento pois aguardamos com esperança este dia, desejamos-lhe um aniversário feliz, pleno de bênçãos para que possamos cantar por muitos anos um solene Te Deum» e dizem que «a parte musical esteve a cuidado do nosso orfeão, que pela 1ª vez cantou a missa de S.Pio X, de Bartoluccci», imponente composição a 4 vozes cujos acordes enchem de vida uma Sé e elevam a Deus as almas dedicadas.
-Em 1965 reconhecem que -«a simplicidade tem o condão de agigantar as íntimas coisas desde que elas levem o rótulo do amor». E por isso fui encontrar que -«durante o recreio a banda espontaneamente se organizou e procedeu a uma arruada através dos corredores» em honra do Snr.Reitor
-Em 1966 surge escrita a síntese dos opostos aos dizer-se que -«a homena-gem de aniversário que todos os anos dedicamos a Mons Reitor é sempre emoldurada pela singeleza da nossa pequenês, realçada e engrandecida pela humildade do aniversariante». Afirmando-se ainda que -«não é fácil exprimir quanto Mons é…», isto é, quanto Mons Vale; e nesse mesmo ano, o pedagogo, o intelectual e o superior é reconhecido como amigo do desporto pois lê-se nos arquivos que na tarde desse dia - -«se disputou no ginásio a finalíssima do campeonato de Ping Pong, tendo o vencedor recebido a Taça Mons Carlos Resende.»
-Em 1968,marcou-se definitivamente a primeira fase de um novo futuro nesse dia iniciado, ao escrever-se alegremente no nº 192 da Estrela Polar, que -«para ultimar a nossa satisfação o Snr. Reitor anunciou que íamos a casa nos feriados do carnaval…(arrancando) um espontâneo F.R.A, símbolo da nossa alegria …(rematando que) o dia passou, mas a amizade que nos liga a Mons Reitor não passará jamais».
…E não passou.
E por isso estamos agora aqui, os jovens de hoje e os jovens de há 50 anos.
5- E tu Adão, que dizes do Reitor?
Eu faço minhas todas as palavras que já disse, e gostaria muito de ser autor de tudo o que de belo, bem dito e escrito, ainda hoje aqui se vai dizer, mas especialmente dele eu, e só eu, guardo em arquivo sentimental e físico alguns documentos dele, assinados e em original guardados que marcam a relação: superior/aluno:
-a sua carta de 27 de Dezembro de 1968 a indicar-me o caminho do laicado e o fim da minha vida no seminário, dizendo a findar: «esforce-se por levar também a sua família a aceitar esta situação, que o Senhor o abençoe nestes momentos difíceis em que tem de dar novo rumo à sua vida».
-a certidão de habilitações e média final do curso, que permitiram alguns anos mais tarde, aquando da lei da equivalência, entrar na faculdade de Letras isento de exame de admissão à Universidade.
-a declaração em que abona o meu bom comportamento moral durante o meu tempo de seminário e que se supunha necessário e útil para na vida militar vestir a farda ou manejar uma arma na função oficial de oficial.
-a sua conversa íntima e última, ele eu e minha esposa, suas mãos nas minhas, no seu leito de esperada recuperação na cidade do Porto cujos termos e sentido guardo para sempre sem revelação verbal ou exposição escrita.
Mons Carlos Resende mostrou pelos seus actos e honrou com o seu valor a casa que estava à sua responsabilidade.
E se a vida andante não existe sempre porque a morte lhe dá fim, aqui estamos nós hoje em simbologia de continuidade a dizer que a morte não é o fim mas a portagem para outra existência bem real e diferente desta certamente.
Nesta época, caracterizada pelo domínio do egoísmo, as celebrações desta natureza têm um significado especial e obedecem à nobre intenção de guardar e resguardar a herança moral e intelectual do nossos anteriores, porque é nosso dever enaltecer as pessoas e os acontecimentos que fizeram o passado que chegou até ao nosso presente e que nós devemos deixar com valia acrescida para os nossos futuros.
E finalizo dizendo ao presente e ao futuro, aos professores e alunos, aos leigos e sacerdotes, ao povo da sua terra e familiares da sua família que Mons Carlos Resende foi e é:
-a expressão rigorosa da modéstia;
-um sinal vivo do saber dedicado;
-uma luz acesa no caminho;
-uma docilidade que encanta;
-uma voz actuante sem ruído;
-uma autoridade sem imposição;
-um respeitador das ideias alheias;
-…e o titular de uma alegria esfusiante
… que alimentou vidas e segurou vocações .
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Snr. Presidente da Câmara e estimado amigo, depois disto agora ouvido, do melhor que vai ainda ser dito, e do que todos sabemos e reconhecemos, deveria a autarquia orgulhar-se deste munícipe, assumir a diferença e honrar esta Vila com um espaço –(largo, rua ou avenida)- em honra do homem a quem hoje orgulhosamente todos homenageamos – Monsenhor Carlos Alberto Pinto Resende.
*Discurso proferido pelo Dr. Adão Pereira Sequeira da Fonseca, em 13 de Fevereiro de 2010, em Cinfães, na sessão de homenagem a Mons. Carlos Alberto Pinto Resende, no centenário do seu nascimento