Alguns dos protagonistas do filme, entre eles Manuel Miguel (conhecido por "Manelzinho"), exímio tocador de rabeca, e muito público (cerca de 400 pessoas) puderam rever-se e reviver memórias por ocasião da apresentação na sede do rancho de Paus, em 16 de Janeiro passado, do DVD com um programa da RTP, gravado há 40 anos em Córdova. Começaram por poder assistir a uma vessada, com mulheres de enxada na mão a desfazer torrões e a endireitar a terra lavrada por um arado, puxado por uma junta de vacas que ia sulcando o terreno, sendo o trabalho acompanhado por um canto, entoado a três vozes, a célebre “Arrula, arrula”, que tantas vezes ouvimos em tempos idos ecoar pelo vale de Paus. Seguiu-se a interpretação musical da famosa chula de Paus, hoje conhecida em todo o país, graças ao Rancho Folclórico e Etnográfico de S. Pedro de Paus que a tem dado a conhecer com tanto êxito nas suas múltiplas actuações, constituindo o seu hino de eleição e seu ex-líbris, e graças a outros grupos como a Brigada Victor Jara, que a incluiu num dos seus CD (“Por Sendas, Montes e Vales”). A chula de Paus foi ainda estrela em 2007, no Grande Auditório do Centro Cultural de Belém, numa interpretação conjunta da Ronda dos Quatro Caminhos, Orquestra Sinfonietta de Lisboa e Coros do Alentejo. Os presentes puderam ainda ver recriações de "valsas antigas" e de bailes de terreiro com danças ao som da rabeca, da viola e da guitarra.
Previamente a cada uma das actuações, uma voz off do filme originariamente feito para a RTP, agora reposto em DVD, com transcrição para o livro que o acompanha, contextualiza histórica e sócio-culturamente as respectivas músicas e tradições.
O visionamento do DVD despertou memórias de vidas e pessoas, algumas delas já falecidas. Por isso, o burburinho entre os presentes foi uma constante, parecendo que todos tinham tomado parte no filme. O editor José Moças (da TRADISOM), que apresentou o DVD, um apaixonado pela música tradicional portuguesa, ex-funcionário judicial em Macau e presentemente aposentado, estava encantado por ver tanta gente e tanto entusiasmo. Dos três grandes tocadores de então, só pôde comparecer o Sr Manelzinho. Infelizmente o Sr. Manuel Tereso encontra-se gravemente doente e o Sr. Joaquim Sapateiro já faleceu. O Sr. Manelzinho estava muito emocionado por contemplar o jovem artista que foi (e que felizmente continua a ser). Perguntado como é que aprendeu a tocar rabeca, disse: "sozinho, de ouvido; comecei por tocar gaita de beiços e depois concertina; seguidamente, pedi ao meu pai para me comprar um violino; apurei o toque com o Aniceto Marreta". Acrescentou ter acompanhado, como tocador, muitas rogas de vindimas ao Douro.
Refira-se que o DVD e livro, apresentados em Paus, integram a reposição da colecção da filmografia de Michel Giacometti, etnomusicólogo francês que se radicou em Portugal em 1959 e que nos anos 60 percorreu todas as zonas rurais do país, chegando aos locais mais recônditos e de difícil acesso, tendo feito o levantamento e o registo de um vasto reportório musical, que sem o seu contributo estaria irremediavelmente perdido. Entre 1970 e 1974, foi responsável por um projecto inovador "Povo que Canta", exibido na RTP, constituído por uma série de programas sobre práticas musicais ditas tradicionais. As recolhas cinematográficas ocorreram entre 1970 e 1972, tendo passado na RTP entre 1971 e 1974 (o 25 de Abril levou ao abandono do projecto). A reposição da obra de Michel Giacometti, falecido há 20 anos, foi editada graças a uma parceria da editora TRADISOM, RTP e jornal Público, cujo último volume chegou às bancas com este jornal no passado dia 7 de Fevereiro.
Contacto da editora Tradisom, para os interessados na aquisição desta obra:
JOSÉ MOÇAS (DIRECTOR)
Previamente a cada uma das actuações, uma voz off do filme originariamente feito para a RTP, agora reposto em DVD, com transcrição para o livro que o acompanha, contextualiza histórica e sócio-culturamente as respectivas músicas e tradições.
O visionamento do DVD despertou memórias de vidas e pessoas, algumas delas já falecidas. Por isso, o burburinho entre os presentes foi uma constante, parecendo que todos tinham tomado parte no filme. O editor José Moças (da TRADISOM), que apresentou o DVD, um apaixonado pela música tradicional portuguesa, ex-funcionário judicial em Macau e presentemente aposentado, estava encantado por ver tanta gente e tanto entusiasmo. Dos três grandes tocadores de então, só pôde comparecer o Sr Manelzinho. Infelizmente o Sr. Manuel Tereso encontra-se gravemente doente e o Sr. Joaquim Sapateiro já faleceu. O Sr. Manelzinho estava muito emocionado por contemplar o jovem artista que foi (e que felizmente continua a ser). Perguntado como é que aprendeu a tocar rabeca, disse: "sozinho, de ouvido; comecei por tocar gaita de beiços e depois concertina; seguidamente, pedi ao meu pai para me comprar um violino; apurei o toque com o Aniceto Marreta". Acrescentou ter acompanhado, como tocador, muitas rogas de vindimas ao Douro.
Refira-se que o DVD e livro, apresentados em Paus, integram a reposição da colecção da filmografia de Michel Giacometti, etnomusicólogo francês que se radicou em Portugal em 1959 e que nos anos 60 percorreu todas as zonas rurais do país, chegando aos locais mais recônditos e de difícil acesso, tendo feito o levantamento e o registo de um vasto reportório musical, que sem o seu contributo estaria irremediavelmente perdido. Entre 1970 e 1974, foi responsável por um projecto inovador "Povo que Canta", exibido na RTP, constituído por uma série de programas sobre práticas musicais ditas tradicionais. As recolhas cinematográficas ocorreram entre 1970 e 1972, tendo passado na RTP entre 1971 e 1974 (o 25 de Abril levou ao abandono do projecto). A reposição da obra de Michel Giacometti, falecido há 20 anos, foi editada graças a uma parceria da editora TRADISOM, RTP e jornal Público, cujo último volume chegou às bancas com este jornal no passado dia 7 de Fevereiro.
Contacto da editora Tradisom, para os interessados na aquisição desta obra:
JOSÉ MOÇAS (DIRECTOR)
APARTADO 69 4731-909 VILA VERDE
TEL: +351.253321044TLM: +351.939177277
Cramol, cujo nome provém, por metástase, da palavra clamor, significava “procissão de preces”. Assim “ir a um cramol” queria dizer integrar-se numa destas procissões de carácter rogatório e que se realizavam geralmente em Maio. “Cantar um cramol” ou “Cantar um clamor” eram expressões que se aplicavam
à ladainha entoada ao longo do percurso. Por extensão, “cramois” designava os coros polifónicos próprios para cantar a ladainha ou outros cantos integrados no culto.
Os “cramois” dissociaram-se pouco a pouco da sua primitiva função religiosa e passaram a ser cantados, salvo raras excepções, com letra vulgar, durante os trabalhos agrícolas. Para o programa 11 da RTP-Povo que canta-, gravado em Córdova de Paus, foi filmada uma vessada, tendo sido acompanhada do canto “Arrula, arrula”, entoado a três vozes, com origem nos referidos corais, a que o povo chamava “cramois”. No final de cada dístico ouvem-se os apupos das raparigas que picam e desfazem os torrões à enxada, sendo o final um grito de louvor aos donos.
Eis a letra, cujo simbolismo parece estar relacionado com velhos ritos de fertilidade:
“Arrula, arrula, arrula,
Arrula, arrula, amor, meu bem;
-Ai oh!
E já que os meus olhos padeçam,
Padeçam os seus também
-Ai oh!
Lindos, frescos, são cativos
Cravos no meu coração;
“Inda” que eu queira não posso
Por deguilha ter paixão”.
No mesmo programa também foi gravada a célebre chula de Paus. Vê-se o lavrador da vessada largar o arado para acompanhar com a viola o seu companheiro da rabeca, tocando ambos a chula
Esta música parece ter andado associada às vindimas do Douro, apresentando diferenças relativamente às chulas de Amarante, de Penafiel e de Ramalde ou Ramaldeira. Possivelmente foi divulgada a partir das gentes que participavam nas vindimas ou transporte do vinho. Contudo, convém referir que, ao contrário da tradicional chula rebela, cujo nome se deve aos barcos rabelos e cujas letras se inspiram no Douro e nas vindimas, a chula de Paus canta as soidades do mês de Maio, louva o amor qu’é doce e que amarga bem e despede-se de Córbeda, que não é vila nem cidade, tendo evoluído para contrastes e ritmos musicais muito peculiares, o que lhe confere uma identidade única.
1)Retirado/adaptado de Filmografia Completa de Michel Giacometti (Vol. 09: Livro+DVD)
à ladainha entoada ao longo do percurso. Por extensão, “cramois” designava os coros polifónicos próprios para cantar a ladainha ou outros cantos integrados no culto.
Os “cramois” dissociaram-se pouco a pouco da sua primitiva função religiosa e passaram a ser cantados, salvo raras excepções, com letra vulgar, durante os trabalhos agrícolas. Para o programa 11 da RTP-Povo que canta-, gravado em Córdova de Paus, foi filmada uma vessada, tendo sido acompanhada do canto “Arrula, arrula”, entoado a três vozes, com origem nos referidos corais, a que o povo chamava “cramois”. No final de cada dístico ouvem-se os apupos das raparigas que picam e desfazem os torrões à enxada, sendo o final um grito de louvor aos donos.
Eis a letra, cujo simbolismo parece estar relacionado com velhos ritos de fertilidade:
“Arrula, arrula, arrula,
Arrula, arrula, amor, meu bem;
-Ai oh!
E já que os meus olhos padeçam,
Padeçam os seus também
-Ai oh!
Lindos, frescos, são cativos
Cravos no meu coração;
“Inda” que eu queira não posso
Por deguilha ter paixão”.
No mesmo programa também foi gravada a célebre chula de Paus. Vê-se o lavrador da vessada largar o arado para acompanhar com a viola o seu companheiro da rabeca, tocando ambos a chula
Esta música parece ter andado associada às vindimas do Douro, apresentando diferenças relativamente às chulas de Amarante, de Penafiel e de Ramalde ou Ramaldeira. Possivelmente foi divulgada a partir das gentes que participavam nas vindimas ou transporte do vinho. Contudo, convém referir que, ao contrário da tradicional chula rebela, cujo nome se deve aos barcos rabelos e cujas letras se inspiram no Douro e nas vindimas, a chula de Paus canta as soidades do mês de Maio, louva o amor qu’é doce e que amarga bem e despede-se de Córbeda, que não é vila nem cidade, tendo evoluído para contrastes e ritmos musicais muito peculiares, o que lhe confere uma identidade única.
1)Retirado/adaptado de Filmografia Completa de Michel Giacometti (Vol. 09: Livro+DVD)
*Notícia elaborada por Marinho Borges, publicada no Jornal de Resende, número de Fevereiro de 2011
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderEliminar