S. Pedro do Souto é uma pequena aldeia da freguesia de Paus, que guarda um tesouro de histórias singulares de religiosidade. Tem uma capela que alberga uma imagem encontrada junto às raízes de uma silva e um sino que aplaca tempestades e trovoadas, um “campo da Senhora”, que é propriedade privada, e “regueifas” que afugentam doenças e maleitas.
O fenómeno da Senhora do Souto ficou localmente circunscrito, pois nunca ali assentou arraiais uma ordem religiosa para disseminar a sua devoção. Ao contrário da Senhora da Lapa, cujos prodígios levaram à construção de um Santuário no local, tendo os jesuítas, que ali se instalaram, sido exímios na sua divulgação, transformando-o no segundo centro de peregrinação mais importante da península ibérica, após Santiago de Compostela. E, contudo na base da génese dos dois fenómenos estão dois relatos semelhantes. Em ambos os locais, há uma imagem de Nossa Senhora escondida, cujos prodígios se revelam no processo ou após o seu achamento. No caso da imagem da Senhora da Lapa, o seu poder expressa-se, quando, após o seu encontro numa gruta por uma jovem pastora (muda), e já em casa, é atirada à lareira pela mãe, tendo a filha, falando pela primeira vez, rogado para que não o fizesse. Em S. Pedro do Souto, o sinal prodigioso reside no pretexto que leva à descoberta da respectiva imagem. Perante a estranheza de uma silva alta e viçosa, anteriormente inexistente, o proprietário do respectivo terreno corta-a. Contudo, no dia seguinte, apresentar-se-á ainda mais alta e viçosa, pelo que o lavrador volta a cortá-la. Nada feito. Face a esta “teimosia”, resolveu cortar o mal pela raiz, ou seja, escavar para a poder arrancar. Estranhamente, contudo, no fundo da pequena cova que teve de fazer, encontrou uma imagem de Nossa Senhora e um sino, sendo a mesma colocada na capelinha da povoação.
Quanto ao sino, tentaram levá-lo para a Sé de Lamego. Curiosamente, até ao cimo da serra das Meadas, tocava lindamente. Dobrada a mesma “recusava-se” a tocar, tendo, por isso, retornado para S. Pedro do Souto e sido colocado na respectiva capelinha.
Esta imagens, encontradas após a reconquista cristã, foram provavelmente escondidas no período do domínio dos mouros na península ibérica. É natural que estes achados, por serem tão significativos e por envolverem uma dimensão religiosa, não fossem vistos pelas pessoas de então como simples acontecimentos ocasionais, requerendo, no quadro da sua mundivisão, a intervenção divina. Estes acontecimentos foram assim coloridos de registos de natureza fantástica, originando estórias que, antropologicamente, não são redutíveis a meras lendas.
Festa da Senhora do Souto
Anualmente, no domingo seguinte, ao dia da Senhora dos Remédios, realiza-se a festa em honra da Senhora do Souto. É constituída de missa solene e procissão com percurso pelo interior da povoação e pelo “campo da Senhora” (local do “aparecimento” da imagem), onde será proferido um sermão, retornando à capela. Seguidamente, surge um momento de muita expectativa e emoção, que é o lançamento de pão ou “regueifas” pelas janelas de uma casa junto à capela. Cada um dos presentes irá disputar a maior quantidade de pão possível, que será guardado nas respectivas casas, pois tem o condão de afastar doenças e maleitas. Outrora cozido num forno da aldeia, é agora cozido na padaria do Barreiro, sendo benzido na missa e levado em sacos na procissão, tendo a particularidade de não ter fermento e de não se estragar, de acordo com vários testemunhos.
Sino milagroso
Sempre que há trovoadas e tempestades, há a preocupação de tocar o sino. Sempre ouvi dizer que o seu toque tem sido eficaz. O encarregado da guarda da capela, Sr. Joaquim Pinto, confidenciou-me que já o tocou duas vezes este ano e “a trovoada foi por aí abaixo...”.
Há uma segunda versão sobre o achamento deste sino, havendo pessoas que referem que o mesmo foi encontrado juntamente com a imagem de Santa Bárbara numa casa da aldeia, tendo esta também sido colocada na capelinha. Como esta santa é a protectora em caso de trovoadas e tempestades, está “explicada” a eficácia do sino.
Crucifixo bizantino
Pertencente à capela da Senhora do Souto, há um crucifixo, antiquíssimo, de estilo bizantino, de valor incalculável, que já integrou várias exposições. Para diminuir os riscos de furto, o mesmo vai sendo guardado em locais diferentes ao longo do ano.
Nota: Este pequeno artigo baseou-se em registos orais ouvidos desde criança, “avivados” na última festa da Senhora do Souto e enriquecidos com o cotejo das descrições incluídas na monografia do nosso concelho, da autoria do Sr. Dr. Joaquim Correia Duarte.
*Apontamento da autoria de Marinho Borges, publicado no Jornal de Resende, número de Outubro de 2oo6
O fenómeno da Senhora do Souto ficou localmente circunscrito, pois nunca ali assentou arraiais uma ordem religiosa para disseminar a sua devoção. Ao contrário da Senhora da Lapa, cujos prodígios levaram à construção de um Santuário no local, tendo os jesuítas, que ali se instalaram, sido exímios na sua divulgação, transformando-o no segundo centro de peregrinação mais importante da península ibérica, após Santiago de Compostela. E, contudo na base da génese dos dois fenómenos estão dois relatos semelhantes. Em ambos os locais, há uma imagem de Nossa Senhora escondida, cujos prodígios se revelam no processo ou após o seu achamento. No caso da imagem da Senhora da Lapa, o seu poder expressa-se, quando, após o seu encontro numa gruta por uma jovem pastora (muda), e já em casa, é atirada à lareira pela mãe, tendo a filha, falando pela primeira vez, rogado para que não o fizesse. Em S. Pedro do Souto, o sinal prodigioso reside no pretexto que leva à descoberta da respectiva imagem. Perante a estranheza de uma silva alta e viçosa, anteriormente inexistente, o proprietário do respectivo terreno corta-a. Contudo, no dia seguinte, apresentar-se-á ainda mais alta e viçosa, pelo que o lavrador volta a cortá-la. Nada feito. Face a esta “teimosia”, resolveu cortar o mal pela raiz, ou seja, escavar para a poder arrancar. Estranhamente, contudo, no fundo da pequena cova que teve de fazer, encontrou uma imagem de Nossa Senhora e um sino, sendo a mesma colocada na capelinha da povoação.
Quanto ao sino, tentaram levá-lo para a Sé de Lamego. Curiosamente, até ao cimo da serra das Meadas, tocava lindamente. Dobrada a mesma “recusava-se” a tocar, tendo, por isso, retornado para S. Pedro do Souto e sido colocado na respectiva capelinha.
Esta imagens, encontradas após a reconquista cristã, foram provavelmente escondidas no período do domínio dos mouros na península ibérica. É natural que estes achados, por serem tão significativos e por envolverem uma dimensão religiosa, não fossem vistos pelas pessoas de então como simples acontecimentos ocasionais, requerendo, no quadro da sua mundivisão, a intervenção divina. Estes acontecimentos foram assim coloridos de registos de natureza fantástica, originando estórias que, antropologicamente, não são redutíveis a meras lendas.
Festa da Senhora do Souto
Anualmente, no domingo seguinte, ao dia da Senhora dos Remédios, realiza-se a festa em honra da Senhora do Souto. É constituída de missa solene e procissão com percurso pelo interior da povoação e pelo “campo da Senhora” (local do “aparecimento” da imagem), onde será proferido um sermão, retornando à capela. Seguidamente, surge um momento de muita expectativa e emoção, que é o lançamento de pão ou “regueifas” pelas janelas de uma casa junto à capela. Cada um dos presentes irá disputar a maior quantidade de pão possível, que será guardado nas respectivas casas, pois tem o condão de afastar doenças e maleitas. Outrora cozido num forno da aldeia, é agora cozido na padaria do Barreiro, sendo benzido na missa e levado em sacos na procissão, tendo a particularidade de não ter fermento e de não se estragar, de acordo com vários testemunhos.
Sino milagroso
Sempre que há trovoadas e tempestades, há a preocupação de tocar o sino. Sempre ouvi dizer que o seu toque tem sido eficaz. O encarregado da guarda da capela, Sr. Joaquim Pinto, confidenciou-me que já o tocou duas vezes este ano e “a trovoada foi por aí abaixo...”.
Há uma segunda versão sobre o achamento deste sino, havendo pessoas que referem que o mesmo foi encontrado juntamente com a imagem de Santa Bárbara numa casa da aldeia, tendo esta também sido colocada na capelinha. Como esta santa é a protectora em caso de trovoadas e tempestades, está “explicada” a eficácia do sino.
Crucifixo bizantino
Pertencente à capela da Senhora do Souto, há um crucifixo, antiquíssimo, de estilo bizantino, de valor incalculável, que já integrou várias exposições. Para diminuir os riscos de furto, o mesmo vai sendo guardado em locais diferentes ao longo do ano.
Nota: Este pequeno artigo baseou-se em registos orais ouvidos desde criança, “avivados” na última festa da Senhora do Souto e enriquecidos com o cotejo das descrições incluídas na monografia do nosso concelho, da autoria do Sr. Dr. Joaquim Correia Duarte.
*Apontamento da autoria de Marinho Borges, publicado no Jornal de Resende, número de Outubro de 2oo6