Da escola
para o ofício de barbeiro
Sílvio Alípio Pinto, filho de Américo Pinto e de
Angelina Jesus, nasceu em Mirão a 30 de setembro de 1937. É o mais velho de
cinco irmãos (quatro rapazes e uma rapariga). Frequentou a antiga escola
primária de Resende, cujo edifício já foi sede da Câmara Municipal, da
Associação dos Bombeiros Voluntários e da GNR. Terminada a 4.ª classe, deu
entrada no Seminário de Resende, do qual teve de desistir no final do 1.º ano,
a meio dos exames, por dificuldades económicas. O seu pai não tinha condições
de pagar a mensalidade de cem escudos.
Como bom aluno que foi, se continuasse a estudar,
Sílvio Pinto poderia ser hoje um brilhante homem das letras ou das ciências,
mas o destino encaminhou-o para outro rumo, para um percurso profissional nas
artes de bem escanhoar e bem cortar e pentear cabelos, onde atingiu um patamar
que prestigia a classe. Como era costume na altura, como filho mais velho,
seguiu as pisadas do pai. Sílvio Pinto tornou-se assim aprendiz de barbeiro,
com apenas 11 anos, no Salão Avenida, tendo como mestre o pai.
Combinando as qualidades de flexibilidade,
coordenação, segurança e equilíbrio no manuseio das tesoura e das navalhas com
a noção do bom gosto e do sentido da estética e também com a sua proverbial
simpatia, Sílvio Alípio Pinto tornou-se um dos mais conceituados
barbeiros/cabeleireiros do concelho. Não admira por isso que haja muitos
clientes que, forçados a trabalhar e a residir fora, sempre que vão a Resende
não deixam de ainda hoje o visitar e pedir os seus préstimos para cortar e pentear
o cabelo. Nas suas deslocações às redondezas e ao Porto, é abordado e
cumprimentado com carinho por muitas pessoas, que foram seus clientes ou
antigos aprendizes da arte.
Vive na vila de Resende. É casado. Tem um filho e duas
netas.
Percurso
profissional
Sílvio Alípio Pinto é herdeiro de uma nobre linhagem
de barbeiros/cabeleireiros, com cerca de 150 anos, que se iniciou com o Sr.
Ribeiro. A continuidade foi dada pelo Sr. António Pimenta com quem Arménio
Pinto, pai de Sílvio Pinto, aprendeu e trabalhou. A barbearia começou por estar
sedeada na garagem da Farmácia Avenida, tendo-se mudado depois para as
instalações onde agora funciona a papelaria Lina & Couto e, por fim, para o
local atual. Embora seja conhecida por barbearia do Sr. Sílvio, denomina-se “Salão
Avenida”, que foi adquirida por trespasse ao Sr. Pimenta por Arménio Pinto, pai
do atual proprietário, Sílvio Pinto.
A aprendizagem era feita por observação, sendo a
prática efetuada com “a matéria prima” dos profissionais ou aprendizes da casa.
Isto é, os futuros barbeiros e cabeleireiros praticavam a arte fazendo a barba
e cortando o cabelo aos mestres e colegas de ofício. Foi assim a aprendizagem
de Sílvio Pinto, cujo mestre foi o pai, como já foi acima referido.
Ainda muito jovem, com menos de 15 anos, já bastante
seguro profissionalmente, começou a atender os primeiros clientes de forma
autónoma. O grande tirocínio foi-lhe dado nas andanças pelas muitas localidades
do concelho, onde prestava serviço ao domicílio. Sobretudo, no fim de semana,
de maleta na mão, deslocava-se à residência dos clientes, onde, num terraço,
alpendre, junto à soleira ou no interior das casas, conforme o tempo, fazia as
barbas e cortava os cabelos, que poderia abranger, neste caso, toda a família,
incluindo os elementos do sexo feminino. Ainda se recorda dos preços então
praticados: 15 tostões por barba e cabelo; 7,5 tostões por um corte de barba ou
7,5 tostões por um corte de cabelo. Muitas vezes, o ajuste era feito ao mês,
cujo preço variava de acordo com o número de cortes de barba semanais e cortes
de cabelo mensais. Os caseiros e pequenos lavradores preferiam pagar
normalmente em espécie, designadamente em alqueires de milho.
Um dos maiores clientes era o Seminário de Resende, ao
qual destinava todas as quintas-feiras para o corte de cabelo dos seminaristas.
Pelo manejo das suas navalhas e tesouras passaram quase todos os padres do
concelho, médicos, autoridades concelhias, advogados, grandes e pequenos
lavradores, ou seja gente de todas classes, do mais rico e culto ao mais pobre
e analfabeto. Uns mais assiduamente; outros só em dias de feira.
Por morte do pai em 1960, por afogamento no rio Douro,
quando o mesmo tinha apenas 48 anos, Sílvio Pinto, então com 22 anos, teve de
tomar conta da barbearia. Refira-se, a propósito, que este acidente abalou
então o concelho, tendo envolvido a morte de mais quatro pessoas. Tudo
aconteceu num fim de tarde fatídico em que várias pessoas que regressavam da
festa de Santa Eufémia, após a saída no apeadeiro de Mirão, vindas da Régua, apanharam
um barco de pesca para a passagem para a outra margem, e que a certa altura
começou a meter água. Como o pai do Sr. Sílvio, Américo Pinto, sabia nadar bem,
num gesto de grande coragem, deitou-se à água para diminuir o peso.
Impensadamente, quatro pessoas seguiram-lhe o exemplo, mas como não sabiam
nadar agarraram-se a Américo Pinto, que embora tudo fazendo para os salvar, foi
vítima do descontrole então gerado, vindo todos a morrer nesta tragédia. Sílvio
Pinto, também regressado de Santa Eufémia, tinha apanhado a barca do serviço de
travessia regular, não lhe tendo acontecido nada.
Da sua longa carreira profissional orgulha-se de ter
ensinado a arte a cerca de 250 jovens. Como nota curiosa, nas provas do curso
para diretor técnico de cabeleireiro, tirado no Porto, em que é diplomado,
alguns dos avaliadores tinham sido seus alunos.
Sílvio Pinto, além de fazer barbas e cortar cabelos,
juntamente com os seus dois colegas, continua a desempenhar um papel social
inestimável. O Salão Avenida é um local onde muitos aproveitam para se
encontrar e trocar notícias locais (doenças, acidentes, furtos, regresso de
emigrantes, andamento de obras…). É o paradeiro obrigatório para integrar e
atualizar resendenses de visita ao concelho. O autor destas linhas é disso testemunha.
Após cortar o cabelo, sente-se como se aqui sempre tivesse vivido.
Outras
facetas e artes de Sílvio Pinto
As freiras que então prestavam serviço de enfermagem
no hospital da Santa Casa da Misericórdia de Resende não podiam de lá sair.
Tornava-se necessário encontrar alguém com apetência e que se dispusesse a dar
injeções, deslocando-se às respetivas residências. Face à vivência familiar
onde se cultivava o espírito de entreajuda e às suas características pessoais
de responder a desafios, Sílvio Pinto mostrou-se disponível para fazer face a
esta necessidade, que se fazia sentir na vila e nas aldeias vizinhas. A
aprendizagem foi feita com o Dr. Eurico Esteves, médico no hospital da
Misericórdia e delegado de saúde. Desde a juventude até há relativamente poucos
anos, Sílvio Pinto foi o cuidador que respondeu às necessidades de centenas de
pessoas em situações de doença e fragilidade, deslocando-se às suas casas para
dar injeções e distribuir palavras de conforto e incentivo.
Esta competência na aplicação de injeções estendeu-se
ao gado, quando estava com a “malina”. Meio brincar, Sílvio Pinto refere que
foi o primeiro enfermeiro ambulante e o primeiro veterinário do concelho.
É um homem multifacetado. Também revelou ter “poderes
especiais” na deteção de água. Deveria ter à volta de 20 anos quando, após ver
o Sr. Padre Esteves, atual pároco de S. João de Fontoura, a caminhar com uma
vara dobrada em forma de V, a qual repentinamente se começou a torcer perante
aquilo que dizia ser um veio de água, também quis experimentar. A experiência
foi um sucesso. A força na vara, agarrada nas extremidades por cada uma das
mãos, foi tanta, que parecia ir desmaiar, segundo as suas palavras. O Padre
Alfeu, que lá se encontrava, também experimentou, mas para sua deceção nada
aconteceu. Muitas minas se romperam e alguns furos se concretizaram, graças aos
seus dotes de vedor. E nunca se enganou. Indicou sempre com precisão a
localização e a quantidade da água. Dizia, por exemplo, “há água aqui a 5
metros de profundidade, mas o veio principal passa a 10”.
Convém referir que sempre respondeu a estas
solicitações pelo prazer de ajudar e ser útil, nunca tendo havido qualquer
contrapartida. O mesmo aconteceu com a sua esposa, a quem inúmeras pessoas
também recorreram para aplicação de injeções.
O seu percurso de vida integra ainda o exercício de
atividades no âmbito associativo, desportivo e político. Fez parte dos corpos
sociais da Casa do Povo, da Associação dos Bombeiros Voluntários e do Grupo
Desportivo de Resende. Foi membro, durante cinco mandatos, da Assembleia
Municipal de Resende. Foi jogador e treinador de futebol.
Nota: Como é do conhecimento público, foi atribuída recentemente ao Sr.
Sílvio Alípio Pinto a Medalha de Ouro de Mérito do Município de Resende, “pelas
qualidades humanas, profissionais e intelectuais, e pelo seu contributo para a
dignificação de uma das mais tradicionais profissões dos resendenses, por ser
dos mais antigos profissionais de barbearia em funções”. A fundamentação desta
atribuição realça também o seu papel na formação de jovens
barbeiros/cabeleireiros ao longo de décadas e ainda o seu contributo para a
divulgação do nosso concelho.
*Apontamento da autoria de Marinho Borges, publicado no Jornal de Resende, edição de Julho de 2013