Saúdo, em primeiro lugar, as entidades às quais se deve esta iniciativa e, em particular ao meu Presidente, Santos Ponciano.
É para mim uma honra e um privilégio poder intervir nesta sessão de apresentação do livro “Cernache do Bonjardim – Terra do Santo Contestável” da autoria do Professor Doutor Aires Nascimento em boa hora promovido pela ARM.
Apresentar o Professor Aires Nascimento não é tarefa fácil, dado o seu extensíssimo e qualificadíssimo currículum.
Peço-lhe que me perdoe a ousadia, devida à enorme admiração que por ele tenho há quase 50 anos.
Recordo que o seu rigor terminológico já vem de há tanto tempo que já naqueles primeiros anos recorria ao dicionário para perceber os artigos que então escrevia nas revistas “Volumus” e a então “Missionário Católico”.
Esta admiração é porém justificada.
Cito o Professor Aires Nascimento:
“Lemos em Platão, no diálogo de Teeteto, que Sócrates surpreendeu um dia os seus ouvintes ao dizer: “quem afirmou que Taumas é filha de Íris disse uma bela palavra”. Em registo transposto e racionalizado, o mestre ateniense queria significar que só é válida a admiração que nasce de um juízo esclarecido e que este é tanto mais integrador quando predispõe para a admiração e a ela conduz”.
É o meu caso.
O Professor Aires Nascimento é uma personalidade tão eminente como discreta da nossa Cultura, que muitas vezes se apaga na apresentação dos seus trabalhos de paciência beneditina.
Graças ao seu empenho e saber foi possível recuperar na actualidade verdadeiros tesouros da nossa cultura.
Tem sido ele quem tem publicado em versão portuguesa numerosas obras escritas inicialmente em latim, fazendo com que tivessem saído do círculo restrito daqueles que ainda conhecem essa língua.
O Professor Aires Nascimento (estejam descansados que não vos vou ler as duas dezenas de páginas do seu curriculum !), além das referências que já lhe fez o Senhor Presidente da ARM, licenciou-se em Filologia Clássica na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa em 1970 e foi Professor Catedrático da mesma desde 1985.
Ao longo da sua carreira desempenhou várias funções universitárias, desde Coordenador do Departamento de Estudos Clássicos daquela Faculdade, Vice-Presidente do seu Conselho Científico, e Pró-Reitor da Univerdidade de Lisboa.
Foi Director de diversos projectos científicos na área de Estudos Clássicos, sendo unanimemente considerado o maior Codicologista Português e um dos maiores da Europa.
Foi Presidente do Instituto Português de Arquivos e Membro do seu Conselho Superior.
Académico exímio, pertence às mais conceituadas Associações e Academias nacionais e internacionais e tem uma extensíssima obra publicada quer para especialistas quer para outros públicos.
De recordar ainda que, além de outras prémios, recebeu o prémio PEN CLUB PORTUGUÊS pela sua tradução da obra “Utopia” de Thomas Morus, editada em 2006, pela Fundação Calouste Gulbenkian.
No meio da mediocridade a que desceu a Universidade Portuguesa, o Professor Aires Nascimento honra-a pelo rigor da investigação e pela sua honestidade intelectual.
É este o autor do livro apresentado nesta sessão.
O livro é constituído por dois textos diferentes que li com o maior agrado e prazer intelectual, e que não vou resumir para não vos retirar o mesmo prazer aquando da sua leitura.
Não quero cair na tentação a que se refere o autor no segundo texto, citando o gramático latino Terenciano Mauro, em frase que ficou para a posteridade, pro captu lectoris habent sua fata libelli, ou seja, pela maneira de ler, fica traçado o destino de qualquer livro.
O primeiro texto, conforme aqui já se referiu, foi escrito para a Revista Boa Nova e destina-se a realçar a proclamação de Santidade de São Nuno de Santa Maria que irá ser feita no próximo dia 26 de Abril, na Praça de S. Pedro, pelo Papa Bento XVI.
Realça a fundamentação desta proclamação, aliás tardia, e as peripécias que levaram a que só acontecesse agora.
As qualidades / virtudes do Santo Contestável são aí referidas baseando-se, entre outros, no “Sumário que o Infante deu a Mestre Francisco pera pregar do Condestabre Dom Nuno Alvarez Pereyra”, atribuído a Dom Duarte (Bons tempos em que se preparavam convenientemente os sermões e se eu o fizesse também seria mais breve!) e que me permito ler (páginas 8 e 9):
1)ter interpretado como dom de Deus quando Ele lhe concedeu ao longo da vida e ter cultivado as virtudes qualquer que fosse a sua categoria – teologais, intelectuais e naturais; 2) ter mantido dotes de corpo e de alma próprios da sua condição; 3) ter usufruído de longa vida com boa saúde; 4) ter sido por todos louvado e amado por causa dos seus bons feitos e merecimentos; 5) ter sido muitas vezes vencedor de seus inimigos e nunca vencido nem passar por ele míngua; 6) ter tido linhagem
Como não podia deixar de ser, convida-nos a festejarmos a glorificação solene do Santo Condestável e, em contraponto, às vozes que se levantaram no Parlamento contra este gesto cita Aquilino Ribeiro que não hesitou em escrever que ele “é uma das figuras mais integras da Humanidade portuguesa” e Luís de Camões que se lhe refere em muitos versos, entre os quais “Ditosa Pátria que tal filho teve”.
O segundo texto, mais extenso, faz jus ao rigor e às qualidades do investigador e académico Professor Aires Nascimento.
Aí faz-se a resenha das diversas fontes que são analisadas criticamente para se concluir que Nuno Álvares Pereira nasceu em Cernache do Bonjardim e que faleceu não a 1 ou 6 de Novembro mas a 1 de Abril de 1431.
Elvas (Flor da Rosa) ou Santarém são afastados como locais de nascimento com argumentos sólidos que, até a um leigo como eu, não custou a compreender.
Porém, o rigor do Professor Aires Nascimento não lhe permite afirmar com toda a segurança que o lugar de nascimento foi de certeza Cernache de Bonjardim, mas eu fiquei convencido.
Quanto à data do falecimento, com a mesma análise critica das fontes e com os conhecimentos que lhe dá o contínuo estudo dos códices, conclui contra o que é vulgar e generalizado, mesmo entre os Carmelitas em que professou, que D. Nuno Álvares Pereira, conforme testemunho de D. Duarte, faleceu no dia de Páscoa de 1431, que nesse ano aconteceu a 1 de Abril.
Aproveita o autor para nesse texto minimizar a importância do polémico milagre que permitiu a canonização do Santo Condestável, para se referir aos milagres que a tradição popular lhe atribuía e que foi passada a escrito em documentos aí citados.
O Santo Condestável já foi canonizado pelo povo há muitos séculos.
E para aqueles que, como hoje vinha no Diário de Notícias, não dão importância ao acto que vai acontecer no próximo dia 26 de Abril, ou até se lhe opõem, cita mais uma vez Aquilino Ribeiro (personalidade pouco dada a devoções) que, referindo-se a D. Nuno Álvares Pereira, escreveu: “Não se topa exemplo mais acabado de lealdade, rectidão, espírito esclarecido e ânimo cheio de clemência para com os vencidos do que o beato Nuno de Santa Maria (...) Amassado desta greda, rara, superfina, nada mais legítimo que oferecer-lhe a Igreja Católica um supedâneo nos altares”.
No livro, como já disse, é citado Luís de Camões.
Eu, para terminar, recordo o poema de Fernando Pessoa na Mensagem:
Que auréola te cerca?
É a espada que, volteando,
Faz que o ar alto perca
Seu azul negro e brando.
Mas que espada é que, erguida,
Faz esse halo no céu?
É Excalibur, a ungida,
Que o Rei Artur te deu.
‘Sperança consumada,
S. Portugal em ser,
Ergue a luz da tua espada
Para a estrada se ver!
*Texto de Vítor Borges, que apresentou o livro em epígrafe.
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