segunda-feira, 13 de maio de 2013

Moleiros recuperam tradição do jogo do pião*


O Grupo de Danças e Cantares “Os Moleiros” de Cárquere realizou um “Convívio”, pelo terceiro ano consecutivo, no passado dia 17 de março, com o objetivo de recuperar e reativar os jogos tradicionais da cavilha e, sobretudo, do pião.
Compareceram à iniciativa, que decorreu na antiga escola primária de Passos, sede da Associação, cerca de duas centenas de pessoas, provenientes da região, que não quiseram perder a oportunidade de recordar memórias e tradições de um tempo não muito distante. Uma oportunidade, também, de convívio social, numa época em que os brinquedos tecnológicos substituíram os jogos tradicionais. “Muita da gente que saiu da escola a jogar o pião só agora, com estas iniciativas, o volta a fazer, regressando às suas origens”, refere Alberto Pinto, Presidente da Direção dos Moleiros.
Se a maioria das pessoas veio para assistir à iniciativa, outros prepararam-se para uma competição saudável, que estimula o desenvolvimento de habilidades variadas, como a capacidade de concentração, a coordenação motora, a agilidade dos reflexos e a criatividade.
O torneio oficial, à volta da escola, com prémios simbólicos, começou. Compreende-se, desde logo, porque este é um jogo de rapazes. Para além da habilidade e perícia, é necessário muita pontaria e, sobretudo, força… “– É à malhão!”, ouve-se repetidamente, em contraponto com o “saca baraça”, de quem prefere lançar o pião de uma forma mais lúdica.
Os participantes envolvem o pião a partir do ferrão com uma baraça apertada, metida no dedo médio, seguram-no na mão, com o bico voltado para cima, e lançam-no ao chão com um forte impulso, tentando acertar e fazer mossa nos que já lá estão. Depois é pegar o pião de “funil”, de “tesoura” ou à “machado”, pondo-o a girar na palma da mão, recordando um gesto simples que animou e entreteve gerações.
Os grandes vencedores deste ano foram Arnaldo José Pinto Portela e José Pinto Lourenço, que conseguiram uma volta à escola sem irem à forca, acertando consecutivamente nos piões adversários, sem que os seus deixassem de girar.
O jogo terminou, depois de uma tarde de convívio são e da partilha de muitas histórias divertidas. Os piões são religiosamente guardados para novas contendas, fazendo jus à letra da música tradicional: “Eu tenho um pião, um pião que dança / Eu tenho um pião, bem na minha mão / Gira que gira o meu pião / Mas não to dou, nem por um tostão”.
Para combater o cansaço que começa a invadir participantes e espetadores, a organização ofereceu uma refastelada feijoada, ficando no ar a promessa de um novo convívio, para o próximo ano.

O artista dos piões
Jorge Costa, de 50 anos, residente no lugar de Tulhas, é o artista dos piões. Das suas mãos surgem todo o tipo de miniaturas em madeira, como moinhos, canastros e, claro, os famosos piões, feitos nos tempos livres, uma vez que é funcionário na Câmara Municipal de Resende.
Desde a infância que dar vida aos piões não tem segredos para Jorge Costa. “Na escola, já fazia piões. No monte da P’reira, aqui perto, desprendia as trepas dos pinheiros, de preferência com nós, para que o pião fosse mais resistente às canicadas. Depois, em casa, com a ajuda de uma foicinha, pois as facas eram escassas, modelava-os. Metia-se um prego e já estava”, descreve.
Hoje, as condições de “fabrico” são outras. Construído num torno, o pião é de madeira rija, de lodo ou cerejeira, redondo na parte superior, afunilado para baixo, terminando no “ferrão”, de ferro, preparado antecipadamente. “O segredo está na forma como se mete o ferrão, o mais direito possível, para o pião andar bianço, direitinho… Os piões escravinhotos e chincharos, que saltam muito, são mal feitos…”, relata à medida que gira a madeira, no torno, dando-lhe vida e forma. Para fazer girar o pião é indispensável o seu acessório, a baraça de lã, de várias cores, que se enrola à sua volta.
A construção de um pião, com o material já devidamente preparado, pode durar cerca de uma hora. No final, surgem pequenos objetos a rondar os 10 cm por 6,5 cm de diâmetro.
“Ainda há pouco tempo, vendi 25 para França”, conclui o artesão.

Memórias perdidas no tempo
Manuel Lourenço, de 77 anos, residente na Arrifana, é o decano da companhia e um dos mais ativo e participativos no jogo e nas memórias de um passado que lhe deixou saudades.
“Cada jogo tinha a sua época: o do pião era na Quaresma”, recorda. Os rapazes reuniam-se nos intervalos das aulas ou aos domingos à tarde para jogar ao canico, à forca ou ao sovelo”, recorda. Um dos jogos mais conhecidos consistia em traçar no chão um círculo, para dentro do qual os jogadores lançavam os piões. Quando um não saísse do traçado, ficava prisioneiro, suportando os efeitos dos golpes desferidos pelos piões dos outros jogadores até que, obrigado pelas pancadas, acabava por sair do círculo.
Quando se conseguia, de um golpe, rachar ao meio o pião do adversário era uma “algazarra” que, não raras vezes, era seguida de uma “cena de pancadaria” entre os intervenientes.
Outras vezes, dada a violência do arremesso, aconteciam os acidentes: uma “cabeça partida, um sobrolho aberto”… Algumas das maleitas eram feitas pelos piões mais pequenos, as piascas ou bilrinhas, pequenos em dimensão mas muito “perigosos e certeiros”, diz Manuel Loureiro. Qualquer um deles eram muito estimados, porque “quem ficasse sem pião teria muita dificuldade em arranjar outro…”, lembra.
Outros tempos em que se desmanchavam as velhas camisolas para fazer as baraças. “Uma vez, por volta dos 10 anos de idade, roubei um casaco à minha mãe para fazer uma. O pior foi quando ela descobriu que já não tinha casaco…”, conta.
*Texto da autoria de Paulo Sequeira, publicado no Jornal de Resende, edição de Abril de 2013. Foto da Foto Ideal 
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