domingo, 25 de setembro de 2011

Conferência do Dr. Adão Sequeira no cinquentenário do Seminário de Lamego

Excelência Reverendíssima Snr. D. Jacinto, bispo de Lamego

Rvmo Snr. Pe. Dr. Paulo Alves, Reitor do Seminário de Lamego.

Revmo. Snr.Pe. José Augusto, pároco de Resende

Senhores Convidados

Estimados Seminaristas

À casa da memória, eu venho, sem história, render a minha homenagem aos 50 anos do nosso seminário neste espaço físico da quinta da Rina ou quinta de S. Lázaro.

Aqui está, nesta casa, a cúpula nobre da nobre evolução do que foi o decreto do Concílio de Trento -(1545-1563)- ao criar um espaço de recolhimento onde o saber e a santidade evoluíssem em força uníssona e convergente para formar homens da palavra, da ação, da virtude, da solidariedade e especialmente verdadeiros pastores de almas.

Longe vai porém o séc XVI, o tempo inicial e difícil da capela e colégio de S. Nicolau, berço inicial dos seminários de Lamego e sua habitação durante muitos anos, até 1800.

Distante está também o 1º seminário, hoje messe de oficiais, na margem do rio Coura, onde durante 111 anos -(1800-1911)- aquele espaço se encheu de generosidade, doação, vida, projetos e saber, e donde também tantos valores humanos saíram para a igreja lamecense e para a sociedade em geral.

Sem recordação digna nos ficam os 10 anos difíceis, de 1911 - 1921, dos bens confiscados em que os jovens candidatos se acolheram a casas particulares e recebiam as aulas na habitação dos professores.

Com saudade de muitos vive-se ainda com memória a história do seminário na Casa do Poço -(1921-1961)-, mesmo frente à Sé, donde em cerca 40 anos tanto saber e santidade brotaram e tanta história se fez e memória por lá ficou. Aí nasceu a «Estrela Polar» em 1951, aí se orou, estudou, brincou e se fez acontecer muito do presente que hoje é passado, e que o Cónego Dr. Mendes de Castro em 2001 imortalizou nas 127 páginas do seu livro «Casa do Poço»

Fica para mim, em testemunho, o seminário atual, o seminário novo, o nosso seminário, o espaço e o tempo da minha entrada de boa memória e a saída por mim recordada como evento ao tempo não desejado.

Não tive em 1961 a honra de vir de Resende inaugurar, como novo aluno, este seminário; isso pertenceu ao curso meu anterior, mas em Setembro de 1962 aqui entrei, alegre, feliz, e esperançado em tornar-me um bom sacerdote para servir a Vinha.

Os planos do Senhor da Vinha eram outros e por isso aqui me preparou devidamente até aos últimos dias de 1968, enviando-me, já em 1969, para outros serviços da mesma Vinha onde Ele superintendia também no espaço destinado aos leigos já devidamente estruturado pelo Decreto do Vaticano II sobre o Apostolado dos Leigos que eu tinha também estudado minuciosamente.

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Ex.mos Senhores

Corria o ano de 1956 e no dia 1 de Abril, domingo da Ressurreição, na igreja de Santiago de Piães, como aliás em todas as igrejas da diocese, é lida a mensagem pastoral de Sua Excelência Reverendíssima D. João da Silva Campos Neves a anunciar a construção do Novo Seminário de Lamego.

A mensagem ia acompanhada de informação e instruções aos párocos para que todo o povo, do abastado ao mais humilde fosse parte dum projeto diocesano que iria depois ser viveiro e jardim donde flores humanas partiriam mais tarde, verdes e robustas, cheias de saber e virtude para levar ao povo a vida espiritual, a esperança divina e um sinal de Deus.

É a partir deste momento e com todo o direito que eu sempre disse e sempre ouvi dizer-« o nosso seminário».

Nosso, porque com esforço de todos nasceu e para o bem de todos exerceu e exerce a sua função.

E é exatamente em 1956 que nasce, de evento simples, a humildade e singeleza deste meu testemunho.

Vocês não imaginam, ninguém faz ideia, o que foi esse grito pastoral : «o nosso seminário».

O que se passou na minha terra, e só dela falo, foi encantador.

O meu pároco, o grande Pe. e Arcipreste Daniel da Costa, contaminou a freguesia e em toda ela, de Vilar a Torneiros ou de Ventuselas a Sanfins, em fins de semana sucessivos, se organizaram cortejos de oferendas, com alma, vida, folclore, e sobretudo bairrismo :- eram carros de lenha, toros de madeira, alqueires de milho, sacos de feijão, notas expostas em bandeiras, alegria, foguetes, cada povo com seu rancho, cada rancho com seu chefe , tudo amador, e a povoação, toda em peso, em manifesta gala de alegria e solidário apoio. E foi neste evento, dizia eu, que eu comecei a ser parte do nosso seminário: - na ornamentação dos carros, no ensaio dos cânticos que animaram o cortejo e na feitura de alguns versos a que se adaptaram músicas que todo o povo cantava e dançava a caminho do leilão no centro da freguesia e que ajudaram a que o lugar de Sanfins não ficasse atrás de nenhum outro.

É pois com direito que eu digo e nós dizemos e a diocese diz «o nosso seminário», seminário, de construção robusta e apresentação imponente, adequado às melhores exigência do seu tempo.

Em 1958, já em plena construção deste edifício eu entro no seminário de Resende com mais 54 jovens para em 5 de Setembro de 1962 e durante 5 dias, por especial deferência nesse ano, frequentarmos, em tempo de férias, um curso de cinema e fotografia dirigido pelo Snr.Dr. Mendes Leal, diretor da revista «Filme».

É logo nesse mês de Setembro, a pedido do Diretor da « Estrela Polar», o atual Pe. Dr. Joaquim Correia Duarte, que eu me sinto envolvido e deveras honrado ao escrever em «Primeiras Impressões» o meu primeiro artigo na Estrela Polar. Rico batismo. Aí falava eu aos alunos de Resende « aqui vos esperamos, ano a ano, na estrada da vida que nos levará aos nossos destinos, aos destinos de Deus ».

Eu recordo o testemunho da minha entrada em Lamego, lembrando a sã amizade existente entre nós, e também o carinho, a estima e o respeito que dedicávamos aos nossos mestres e superiores, homens de bondade, saber, cultura e santidade , sem discriminação de nenhum, embora cada um com o seu nível de capacidades em transmitir essa enorme riqueza de que eram portadores.

O seminário não é necessária e exclusivamente o espaço de formar os jovens que vão ser padres, mas sim a escola de formação de homens, donde saem também e geralmente aqueles que vão exercer o nobre e belo munus sacerdotal, e um bom sacerdote é sempre também parte de um homem humanamente bem formado nas lides do saber, da cultura, do conhecimento do mundo, da filosofia, da teologia, e especialmente das realidades humanas e espirituais.

Era o tempo da teologia, da exegese, da moral, da filosofia tradicional, do latim profundo, do grego suave e do hebraico leve, antecedidos de um conhecimento seguro das letras e das ciências.

Foi a época do ciclo missionário, das conferências Marianas, dos vicentinos e ainda da catequese nas escolas às quintas feiras.

Foram também os anos da nossa banda musical sob regência do Snr. Dr. Rui Botelho, onde surgiram qualificados executantes à custa dos longos ensaios na sala onde hoje funciona o nosso bar.

Foi, evidentemente, o tempo do Vaticano II, estudado, analisado, esmiuçado em profundidade à nossa maneira, na ânsia e busca segura de uma renovação.

O meu livro Vaticano II, em capa amarela, obra completa dos documentos conciliares, é ainda hoje uma fonte abundante de soluções, consulta e inspiração, quando sobre algum tema eu preciso de falar.

Foi nestes corredores e nas reuniões semanais das atividades extra escolares que alguns de nós escalpelizamos esses textos conciliares numa rara consciencialização de igreja e de futuro.

Recordo-me bem ter-se falado numa dessas reuniões, com preocupação e esperança, «a igreja só vai arrancar quando saírem bispos da geração conciliar. Eles aí estão, e a Igreja também, em renovada e constante intervenção e dinamismo, com o selo visível dessa etapa conciliar.

Curioso é ver, a 45 anos de distância, pelas notas apostas à margem nos textos, que os decretos sobre o Apostolado dos Leigos, Sacerdócio e Imprensa são os mais estudados e melhor analisados. Eram os nossos assuntos, o nosso campo direto de ação a muito curto prazo. Ao tempo, as preocupações de análise à vida e evolução política estavam afastadas, rádio só a ocultas, televisão não havia, jornais diários não chegavam cá e fumar um cigarro era muito arriscado.

Neste Seminário e nestes espaços, honra maior da nossa diocese, tudo está repleto de vida, doação, generosidade, e até «dúvidas salutares». Em cada esquina dos corredores, areia dos recreios, salas de aula ou silêncio da capela, há uma vida contada ou esperança desejada, que faz a memória que jamais se esquece e uma história que jamais será contada onde « as saudades» ficaram depois de nós, mas que existem, para louvor dos alunos, honra dos professores, dignidade da instituição e continuidade futura de um passado que não morre.

O presente está acima do passado, mas não pode esquecer os anos e os seus eventos, os séculos e a sua história, a vida e os seus atos, a juventude e os seus feitos.

As estrelas e as núvens do passado, pela voz da memória fazem chegar até hoje e guardarão para o futuro o legado sem tamanho do humanismo e humanidade desta habitação do saber, bom senso e até « jardim de preocupações».

Sempre assim foi e assim será, porque nós, como diz Anselmo Borges, somos titulares de uma vida que não morre com a nossa morte.»

Por isso, eu não vou falar dos campeonatos de futebol entre filosofia e teologia tão vivos e renhidos, das meias vermelhas e festa dos cónegos no domingo de Pentecostes, sob aquela vigilância cerrada e ineficaz dos superiores, das festas de fim de ano e das críticas à gestão e pedagogia dos nossos professores, da falta de meios de abertura ao mundo como a rádio, a televisão, jornais ou revistas, da falta de ligação à cidade e seu povo, até porque tudo se alterou logo em 1969.

Mas quero hoje ressaltar, relembrar e reviver:

-o saber dos nossos mestres e a sua dedicação ao ensino todo ele em regime de internato;

-a preocupação da equipa formadora, a sua dedicação aos alunos e atenção aos sinais;

-o rigor dos horários e o seu pontual cumprimento.

-o espaço de oração e a mística aí vivida;

-o tempo de estudo e a preparação rigorosa das matérias de exame;

-as reuniões semanais das equipas em que estávamos inseridos e os resultados obtidos;

-a lenta e segura evolução do jovem batina e chapéu preto para o jovem despojado, espontâneo, interventivo, com roupas de marca ou calças de ganga.

-a riqueza de manter escrita uma mensagem espiritual diária à porta da capela e a preocupação em viver o seu conteúdo;

-o aguentar um jornal mensal, pontualmente editado sob a responsabilidade do alunos, exclusivamente escrito por eles sob a vigilância atenta e controlo rigoroso dos superiores;

-a memória do 7 de Outubro e 7 de Janeiro com a preocupação amiga de ver se todos os amigos voltavam ou não;

-a recordação do 10 de Junho com a festa dos finalistas onde a glória, alegria e saudade saiam da alma, subiam ao rosto e apelavam a futuro;

-os concursos abertos onde se evidenciava a qualidade de quem a tinha e o espírito de aventura de quem a desejava ter.

A propósito de concursos internos, em honra do Snr. Cónego José Cardoso, de feliz memória, grande dinamizador da catequese na diocese, eu quero somente referir o concurso, por ele lançado, de quadras populares relativas à catequese, com distribuição de prémios em 3 Fevereiro de 1965.

Em 1º lugar ficou o nosso exímio poeta, cónego Esteves Alves com a poesia:

«-Catequese é Deus que fala

A dar a a luz que redime

Não há mestre mais seguro

Nem escola mais sublime».

Em 2º lugar um inesperado rabiscador de rimas que agora vos fala, com a poesia:

«-Se Cristo viesse agora

Nascer nesta diocese

Iria com os meninos

Aprender a Catequese.»

Estas poesias correram depois a diocese gravadas em azulejos de tom azul.

Snr. D. Jacinto, estimados amigos,

Recordar o passado é fazer história e fazer história é honrar o passado garantindo o futuro da memória e abrindo alicerces para a memória do futuro. Sobre este assunto e referente ao seminário antigo e novo seminário, a Estrela Polar de Agosto de 1961 escrevia assim : «uma porta que se abre, um passado que permanece pelos séculos e um futuro que se tornará presente dia a dia».

Esta linha de pensamento é uma espécie de sina que me segue e persegue desde sempre, não morreu ainda e certamente não vai morrer jamais, porque a morte leva os homens mas as ideias ficam através da identidade, da memória e da sua história.

E se não há porto seguro para barco sem rumo, também não há futuro certo para instituições que abdicam do passado ou menorizam os seus anteriores.

Nunca festejaríamos hoje os 50 anos do nosso seminário, como não teríamos festejado os 25, se há 50 anos os nossos anteriores não tivessem arquitetado o seu plano e suportado as dificuldades da sua construção.

Por isso sentimos orgulho e glória da glória difícil do passado e ligamos ao futuro a honra devida da sua existência. Nada de grande se faz e deixa sem o suor e risco, e será sempre o futuro a cantar o louvor à memória do passado e honrar os seus feitos.

Se alguém deseja memória e história sem escalar as encostas da dificuldade e o risco da ação e intervenção, está certamente no caminho certo do esquecimento inevitável.

Esta casa é uma casa de causas sempre novas e diferentes e nada do que aqui se vive se perde depois, mas vai como chuva miudinha ou fio de água invisível alimentar espaços de ação e ideias do bem , porque «o seminário é sempre a memória viva e eterna da igreja» «no mercado da alegria e negócio do bem fazer.»

O seminário perpetua-se no espaço e no tempo, nas pessoas e na vida, nos atos e reconhecimento, na ação e gratidão, nos fins que deu e forneceu, nos padres que foram seminaristas e nos seminaristas que ficaram leigos, uns e outros são glória e memória da sua existência.

O seminário, o nosso seminário perpetua-se pelo que foi, pelo que é, e pelo que será e por isso eu não posso esquecer uma das estrelas, talvez a mais alta e brilhante do nosso seminário - a «Estrela Polar», expoente grande de um passado difícil e nobre que ninguém vai poder ocultar, omitir ou menorizar, porque a sua Antologia, editada em 2007, jamais o vai permitir porque, ela está arquivada nas prateleiras de todas as grandes bibliotecas nacionais, exposta nas bibliotecas públicas e municipais de todo o norte do país, guardada em todos as Casas Episcopais, à disposição de todos os seminaristas nas bibliotecas de todos os seminários, visível em todas as escolas secundárias e juntas de freguesia da diocese, e também nas mesas de muitas centenas de Aselistas e cidadãos anónimos.

Esta obra, filha do seminário e dinamizada pela ASEL, é ainda caso único nos seminários de Portugal e também o expoente máximo e afirmação maior que «a melhor escola é aquela que educa para a gratidão» e reconhecimento.

Se o tempo vai já longo eu abro ainda espaço para dizer ao presente e ao futuro que o passado, em honra e glória da memória, se imortalizou também na nossa ASEL, vigorosamente nascida em 1984 que ainda hoje vive e viverá, e se honra de ao comemorarmos em Resende os nossos 25 anos com a presença e estímulo do Mons Luciano Guerra, ser a génese do 1º Congresso Nacional de Antigos Alunos dos Seminários de Portugal sob o título « Seminários - da Memória à Profecia» realizado em Fátima nos dias 24-25-26-de Abril de 2009 .

Estimados amigos, em todos estes passos humildemente eu estive metido e envolvido, ora entre palmas, hora entre grandes sarilhos.

Seminarista amigos, alguém disse um dia que «os povos morrem quando os senhores do templo nXXX-Assembleia-Aveiroão conseguirem alimentar a esperança», assim sendo recai sobre vós a guarda futura deste passado nobre e ficamos certos que, quando a memória faz história, a história ficará facilmente na nossa memória.

Seminário de Lamego, 17 de Setembro 2011

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